Com a precisão de um relógio, os profissionais da cultura mobilizam-se a cada ciclo de quatro (ou dois) anos em protesto pelos parcos e inconsistentes apoios que o Estado (através da Direcção Geral das Artes) prodigaliza ao sector.
Na verdade, quaisquer sejam as verbas atribuídas, saberão sempre a pouco, num quadro sistémico de demissão do poder político das suas obrigações de serviço público, sempre distante do horizonte, consagrado na Constituição mas cada vez mais virtual, do Serviço Nacional de Cultura.
Efectivamente, só no enquadramento de um tal serviço prioritário:
que permita mais e melhor regulação e determinação de metas de fruição, prática e divulgação culturais;que permita dotar o país e suas regiões de corpos artísticos estáveis e públicos (companhias de teatro, ópera e dança, orquestras, museus) que garantam o acesso à fruição democrática dos maiores tesouros da humanidade, em sintonia com um ensino artístico universal de qualidade, ministrado nas escolas públicas;com o apoio de uma rede de divulgação, ancorada no serviço público de rádio e televisão, que garanta visibilidade aos eventos e estímulos ao consumo e prática artísticas;
Só neste contexto o apoio às artes deixará de parecer a “sopa dos pobres” do sector, que consubstancia, concurso a concurso, a total desresponsabilização do Estado frente às, cinicamente apregoadas, metas de fruição artística e estabilidade laboral do sector.
À mesma hora em que, com pompa e circunstância, se legisla um Estatuto destinado a garantir o futuro com direitos dos profissionais da cultura e das artes, nega-se ao sector perspectivas sérias de empregabilidade, salário dignos e, mesmo, condições para a disseminação do seu trabalho e cabal cumprimento da sua função humanista e social junto (e com) as populações.
O CENA-STE não representa as estruturas de criação e difusão artística. A sua responsabilidade é para com os trabalhadores do sector cultural e – tão só na medida em que a matéria em debate afecta esses trabalhadores – estamos aqui, hoje, a defender aumento de salários e honorários e trabalho com direitos.
Nos recentes concursos a apoio sustentado, o reajuste da dotação orçamental somente nos apoios quadrienais frustrou inexoravelmente as expectativas e os cálculos das estruturas que se apresentaram a concurso. O número desproporcionado de candidaturas elegíveis sem acesso a financiamento na modalidade bienal – 33,7% das estruturas a receberem apoio – representa uma perda significativa de emprego numa área de enorme precariedade laboral e, consequentemente, acabará por depauperar o acesso das populações à fruição cultural.
O ORÇAMENTO DA CULTURA voltou a ficar aquém de todas as expectativas:
Investimento público – abaixo do 1% do Orçamento (0,43%), RTP incluída (a quem são atribuídos 256 dos 760 milhões);Uma parte significativa do aumento do Orçamento decorre do PRR (excluindo-o, o aumento seria apenas de 25 milhões de euros);Recurso a cativação de verbas, pelo Ministério da Cultura, em todos os anos anteriores. Só em 2022 foi de 140 milhões;Mesmo para as estruturas contempladas com apoios, o aumento do custo de vida e a inflação dos preços nos materiais de produção e o necessário reajuste salarial, decorrente da actualização do salário mínimo, consomem os apoios recebidos.
Entendemos ser prioritário:
A reforma do Estatuto, garantindo estabilidade, protecção social e direitos laborais aos trabalhadores do sector cultural;Retomar a formulação inicial da estrutura de acompanhamento do Estatuto, com a presença directa do Ministério da Cultura e a interlocução privilegiada com o Sindicato;A criação de plataformas e condições negociais para uma verdadeira concertação social no sector que possibilite a discussão directa sobre questões específicas do sector e a negociação de acordos colectivos de trabalho.
SERVIÇO NACIONAL DE CULTURA
Criação de um serviço público universal de cultura com mais regulação por parte do Estado que permita determinar metas de fruição, prática e divulgação culturais;Desenvolvimento de uma rede de estruturas fundamentais, tendencialmente públicas e escrutináveis, nas capitais de distrito – orquestras, companhias de teatro, ópera e dança, museus;Comunicação cultural nos media estatais – programas culturais na rádio e televisão públicas (nomeadamente com a presença das estruturas apoiadas pela DGArtes);Canais/campanhas internacionais de difusão da cultura portuguesa;Articulação estreita com a educação, fomentando o conhecimento, prática e fruição cultural em todos os níveis de ensino.
APOIOS
Dotação extraordinária de verbas no concurso para apoios bienais, numa proporção semelhante ao aumento que se verificou nos quadrienais, de modo a repor o peso relativo de cada uma das modalidades de apoio;Disponibilização imediata de verbas que garantam que todas as estruturas consideradas elegíveis sejam apoiadas;Após a crise gerada por dois anos de pandemia é indispensável a manutenção de um apoio extraordinário ao sector – uma nova versão do Garantir Cultura;Equacionar outra modalidade de apoio, não concursal, para as estruturas comprovadamente implantadas nas comunidades, incluindo o seu acompanhamento contínuo pelas entidades públicas.
Fonte: CENA-STE