O caminho passa pela criação de uma rede pública e não por medidas que se limitam a dar resposta (insuficiente e precária) ao problema imediato!
Foi publicada a Portaria nº 190-A/2023, de 5 de julho, que procede à alteração à Portaria nº 262/2011, de 31 de agosto, que estabelece as normas reguladoras das condições de instalação e funcionamento das creches.
Apesar de ter sido assegurada, em Orçamento do Estado, a gratuitidade progressiva para a frequência de creche das crianças dos 0 aos 3 anos, a atual oferta é manifestamente insuficiente, limitando-se ao designado setor social e ensino particular e cooperativo. A inexistência de uma rede pública de creches tem como consequência que milhares de famílias não conseguem vagas para as suas crianças, de modo a tê-las devidamente enquadradas e a permitir a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar. A criação dessa rede pública é desígnio constitucional medida crucial para que as crianças passem a ter as respostas que lhes são devidas.
O governo, com a publicação desta Portaria, preocupou-se, unicamente, em aumentar a capacidade da oferta, desvalorizando a sua qualidade. Aumentou o número de crianças por sala, sem acautelar o rácio adulto/crianças e ignorando a especificidade da educação dos 0 aos 3 anos. A este propósito, é de lembrar que as Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (2016) consideram que “há uma unidade em toda a pedagogia para a infância e que o trabalho profissional com crianças em idade de creche e de jardim de infância tem fundamentos comuns, devendo ser orientado pelos mesmos princípios educativos”.
Apesar do que referem as já citadas Orientações Curriculares e ignorando a recomendação de 2011 do Conselho Nacional de Educação de “conceber a educação dos 0 aos 3 anos como um direito e não apenas como uma necessidade social”, o governo decidiu manter a creche como um mero equipamento socioeducativo da responsabilidade da Segurança Social, não reconhecendo nem valorizando a resposta educativa, tornando-a prioritária, assumindo o ME a tutela pedagógica. Neste sentido, o artigo 9º da portaria agora publicada deveria ter revisto o que vem sucedendo, passando a contemplar, com caráter obrigatório, uma direção pedagógica assegurada por um/a educador/a de infância.
O governo, reconhecendo a insuficiência da oferta de resposta em creche, promove, através da Portaria, a simplificação de procedimentos para instalação e ampliação das creches existentes, sem, no nosso entender, salvaguardar o bem-estar e a segurança das crianças, quando permite o funcionamento das creches em construções modulares, o que não deixará de ser um caminho apontado para estas respostas.
A FENPROF sempre tem defendido a importância da conciliação da vida profissional com a vida familiar, possibilitando que as famílias possam ter tempo de qualidade com os seus filhos. Isto alcança-se, designadamente, através da redução dos horários de trabalho e do combate às suas desregulação e desorganização, bem como através de políticas de valorização dos salários e do trabalho. O governo demite-se da sua responsabilidade, ao optar por introduzir na nova portaria a possibilidade de as creches funcionarem em permanência, incluindo no período noturno e fins-de-semana. Este é um caminho que o governo abre e que facilitará a imposição de horários de trabalho ainda mais longos e desregulados. Ficam sem salvaguarda as necessidades das famílias e muito menos o superior interesse das crianças.
No que respeita aos profissionais que trabalham nas creches, nomeadamente os/as educadores/as de infância, importa notar que a portaria não reconhece, em momento algum, o seu trabalho pedagógico. Ademais, poderão estar em causa direitos laborais e condições de trabalho, em virtude das alterações, negativas, diga-se, introduzidas pela nova portaria.
Por último, a FENPROF reitera a exigência de o Estado criar uma rede pública de creches que assegure uma resposta universal, gratuita e de qualidade. A criação desta rede pública tem caráter urgente.
Fonte: FENPROF