A Direção Nacional do SEP reunida a 18 e 19 de dezembro analisou os últimos 9 meses de ação governativa, principalmente do Ministério da Saúde. Entre anúncios de medidas, implementação e resultados (dos que são conhecidos) várias são as críticas à política do Governo/Ministério da Saúde em particular no que diz respeito às questões concretas da Enfermagem e dos enfermeiros e do acesso aos cuidados de saúde (SNS) por parte dos portugueses.
Relativamente à Enfermagem: Persiste uma grave carência de enfermeiros que naturalmente o atual ministério da saúde não pode ser responsabilizado (o partido político que o sustenta, sim) mas, inadmissivelmente, não é conhecido nenhum plano de admissão de mais enfermeiros, pelo contrário, a regra de admissão de 1 “funcionário público” para substituir “uma saída” significa que a tutela não tem qualquer plano de admissão de profissionais de saúde de acordo com as necessidades crescentes de cuidados de saúde das populações.
O anunciado Plano Motivacional dos Profissionais de Saúde amplamente propagandeado não foi tornado público e não são conhecidas as suas motivações. Apesar do governo repetir a necessidade de dar resposta à cada vez mais ampla exigência de “conciliação da vida pessoal com a profissional”, essa continua a ser uma miragem no setor da saúde.
Aos enfermeiros são exigidas cada vez mais horas extraordinárias, quer nos hospitais e/ou nos centros de saúde, as equipas de enfermagem em vários serviços têm vindo a ser reduzidas e, em alguns serviços de internamento, voltámos a constatar a existência de apenas 1 enfermeiro no turno da noite. Centenas de milhar destas horas extraordinárias tão pouco são consideradas como tal e, consequentemente, pagas. Existe uma “filosofia” da maioria das administrações (com acordo do Ministério da Saúde) de não considerarem, por exemplo, o tempo a mais que os enfermeiros têm que ficar nos serviços, para além da sua hora de saída. Estas situações existem, ou porque, como referimos as equipas são reduzidas e/ou porque são obrigatórios fazer os registos dos doentes, alguns deles e duplicado como acontece nas Unidades de Cuidados na Comunidade.
Inaceitavelmente, aos enfermeiros não é atribuído o direito a horas não assistenciais para, por exemplo, preparar a intervenção nas escolas. O aumento da incidência de crianças insulinodependentes e doença respiratória que deveriam ser inseridos no grupo de crianças com necessidades especiais, e não são, determinam ainda assim, uma intervenção especifica junto da criança e família, professores e crianças na turma. Ou, por exemplo, o aumento das doenças sexualmente transmissíveis nos adolescentes deveriam determinar uma intervenção da equipa multidisciplinar quer no ensino básico ou no universitário. Sem profissionais e sem enfermeiros esta intervenção não acontecerá independentemente do, também, anúncio da Diretora Geral de Saúde sobre o assunto.
A intervenção comunitária na área da saúde mental, apesar de estar inserido no plano das prioridades do Governo/Ministério da Saúde até ao final de 2024, continua sem medidas concretas: não foram abertos concursos para enfermeiros especialistas em saúde mental e psiquiatria, não existe reforço das equipas comunitárias em saúde mental, não existe qualquer reforço nas regiões mais carenciadas, nomeadamente, Algarve, Alentejo, Castelo Branco, etc, em pedopsiquiatria, médicos ou enfermeiros. Tão pouco um plano que antevisse quando poderiam ser minimizados os problemas.
As discriminações dos enfermeiros dos Cuidados de Saúde Primários continuam sem que o Ministério da Saúde responda aos nossos reiterados pedidos de reunião. Esta “não resposta” é entendida pelos enfermeiros como “os cuidados de saúde primários e nós que cá trabalhamos não somos uma prioridade para a Ministra da Saúde”. Desde os incentivos que existem para umas unidades funcionais e não para outras até à tentativa de imposição de incrementos de horários, contrários à Carreira de Enfermagem, tudo vai acontecendo sem que a Ministra da Saúde não tenha encontrado agenda, nos últimos 6 meses, para reunir e discutir única e exclusivamente a questão dos Cuidados de Saúde Primários.
Os enfermeiros em nenhum contexto são compensados pelo acompanhamento de alunos de enfermagem, veem o seu trabalho programado ser diminuído por essa razão ou têm redução de horas assistenciais. Os enfermeiros nos Cuidados de Saúde Primários, independentemente das unidades funcionais onde estão integrados, não recebem nenhuma compensação pelas visitas domiciliárias que realizam. À maioria dos enfermeiros que exercem em qualquer contexto dos cuidados é-lhes negado o gozo das horas de formação continua que a lei determina e sempre pela mesma razão: “o serviço não permite”. A mesma razão é invocada à maioria dos enfermeiros que, atingindo a idade, requerem não fazer o turno da Noite.
Não obstante estes problemas, o governo prometeu uma valorização da grelha salarial e, em setembro, governo e Ministério da Saúde anunciaram um “acordo histórico” de valorização dos enfermeiros. Para “acordo histórico” e apesar de valorizarmos os ganhos salariais, reiteramos, é bastante insuficiente. E, relembramos, que:
Numa primeira proposta, o Ministério da Saúde apenas pretendia valorizar em 52€ o início da Carreira de Enfermagem, na categoria de Enfermeiro;
Numa segunda proposta, valorizava em 52€ todas as posições remuneratórias da Carreira.
A valorização, ainda assim muito insuficiente resultante do tal “acordo histórico”, só aconteceu com:
Uma greve nacional em julho
Uma greve nacional a 2 de agosto
Uma ação nacional de luta, descentralizada pelas diferentes regiões e/ou instituições durante todo o mês de agosto
O anúncio de uma greve nacional a 23 e 24 de setembro que levou ao acordo apressado com 5 sindicatos da tal “valorização histórica”.
Analisemos agora a valorização histórica:
No momento da assinatura do protocolo negocial, cujo processo o Ministério pretendia terminar em julho, antecipava-se a aplicação aos enfermeiros do seu resultado a junho/julho. O acordo prevê a aplicação a novembro de 2024;
O acordo prevê um faseamento até janeiro de 2027 sendo que 2025 é um “ano nulo”, ou seja, não está prevista a aplicação de qualquer etapa do referido faseamento.
No final de 2027 o início da Carreira de Enfermagem continuará abaixo de outros profissionais licenciados da área da saúde e prevê-se que esse fosso seja aumentado tendo em conta o anúncio por parte do governo de negociar e valorizar a carreira dos técnicos superiores de saúde.
No final de 2027, o início da Categoria de Enfermeiro Especialista ficará muito baixo do já existente para outras carreiras, nomeadamente, para aquelas a quem não é exigido nenhuma formação especializada, por exemplo, os Técnicos Superiores de Diagnóstico e Terapêutica cujo o inicio já é desde 2022 os 2294,95€ e o início para a categoria de Enfermeiro Especialista será, em 2027 de 1915,46€.
E, sem qualquer preocupação de equidade interna (carreiras profissionais dentro do SNS) que a lei de bases da saúde obriga, o Ministério da Saúde, e bem, valoriza carreiras sem qualquer formação académica, aproximando-as do início dos enfermeiros que será de 1491,25€ em 2025.
Não foi prevista qualquer valorização dos Enfermeiros que sendo especialistas não têm qualquer valorização salarial por ausência de abertura de concursos de acesso à categoria. São já, centenas os enfermeiros nestas circunstâncias. Apesar de, até 2019 esta situação estar acautelada na Carreira em vigor à data (deixou de estar com a publicação da Carreira de 2019), constata-se desde então o aumento do número de enfermeiros que não são valorizados apesar da aquisição das competências especializadas resultado dos constrangimentos na abertura de concursos.
Ainda, por ausência de resolução das várias injustiças, são milhares os enfermeiros que ainda não progrediram na carreira e muitas são as instituições que ainda não aplicaram o chamado “acelerador de progressões” e/ou as progressões decorrentes dos processos avaliativos de biénios anteriores.
Quanto ao tempo de serviço dos Contratos Individuais de Trabalho, continuamos a exigir o seu pagamento com efeitos a 2018. É inaceitável os “dois pesos e duas medidas” na mesma administração pública do Continente, para além da diferenciação que existe para as regiões autónomas com governos sustentados pelo mesmo partido político.
Para compensar o Risco e Penosidade continua a não existir qualquer abertura por parte do Ministério da Saúde apesar, como já referido, do aumento do trabalho extraordinário e do trabalho em situações de maior risco – o excesso de trabalho extraordinário potencia o risco dos enfermeiros. A manutenção dos profissionais de enfermagem no regime geral para aposentação é…desumano!
Relativamente ao acesso aos Cuidados de Saúde: O Plano inicial apresentado pelo Governo / Ministério da Saúde assentou, no essencial em aumentar algumas respostas, como por exemplo, as Oncológicas (OncoSTOP) em mais horas de trabalho e propostas de incentivos. Apesar da diminuição das listas de espera para além dos tempos mínimos garantidos, importa que sejam conhecidos os dados relativos às cirurgias que, DURANTE E APÓS este Plano NÃO atingiram aqueles tempos.
No mesmo Plano foram previstas várias medidas no âmbito dos Blocos de Partos e Pediatrias e, é conhecido, o caos que foi o período de verão com alguns hospitais a encerrarem aqueles serviços, aos fins-de-semana, semana sim/semana não e as equipas a verem-se obrigadas a transferir mulheres e crianças para outras unidades hospitalares. Nunca tantas crianças nasceram em ambulâncias como no verão de 2024.
Relativamente à Saúde Mental praticamente tudo está por fazer. Num país em que 53% das pessoas têm um problema de saúde mental (a que não são alheias as condições de vida dos portugueses) com consequente custo direto das famílias em medicação, é inaceitável que também este seja sempre uma área adiada. Nesta área é ainda inaceitável que o referido Plano só preveja a contratação de Psicólogos quando é reconhecida a importância de uma equipa pluridisciplinar que, no plano de saúde que possa vir a traçar para a pessoa em concreto, englobe a família do doente.
Associado, importa não descurar o aumento do número de pessoas com ideação suicidária, incluindo em idades mais jovens. Estamos perante um problema de saúde pública para a qual não existe medidas eficazes que o minimizem.
Quanto aos cuidados de saúde primários a decisão mais emblemática (e a preferida do Governo) foi a possibilidade dada aos setores privados e social de puderem vir a constituir Unidades de Saúde Familiar modelo C. Com esta opção, este governo deita por terra um dos maiores patrimónios dos Cuidados de Saúde Primários que é a estabilidade na relação entre utente e a sua família e a equipa de saúde familiar. Está demonstrado que esta estabilidade permite obter ganhos em saúde.
Outra medida concretizada pelo governo foi a criação dos Centros de Atendimento Clínico dando a possibilidade, também aqui, dos setores privado e social puderem aderir. Paralelamente, continuaram a encerrar os Serviços de Atendimento Complementar que funcionavam nos Centros de Saúde e que, faziam e poderiam fazer mais, caso houvesse reforço dos recursos humanos.
Mais recentemente o anúncio da devolução de hospitais às Misericórdias, Santo Tirso e Cantanhede. Importa frisar que no hospital de Santo Tirso foi efetuada uma intervenção de centenas de milhar de euros para garantir respostas na área da Saúde Mental. É no mínimo curioso que agora seja devolvido à Misericórdia.
Ainda, e no âmbito do Plano de Contingência de Inverno, a receita é a mesma: exigência do alargamento do funcionamento dos centros de saúde, de preferência até às 24 horas sem clarificar como será feito – mais horas extraordinárias ou eventual recurso a horários desfasados com diminuição da atividade programada das equipas. Ainda no mesmo âmbito e para diminuir o recurso às urgências hospitalares, ou os tempos de espera, o Ministério da Saúde exige que os utentes, se for o caso, tenham uma consulta no centro de saúde nas 24h seguintes. Mais uma vez, para dar resposta a esta exigência é obrigatório que as equipas de saúde familiar diminuíam a sua atividade programada. Curioso é, ainda, que o Ministério da Saúde aponte estas medidas sabendo que a lei obriga, por exemplo, à contratualização de Carteiras Adicionais no âmbito das USF modelo B caso pretendam aumentar o seu período de funcionamento e que, para que assim aconteça, tem que existir decisão favorável do Conselho Geral de cada unidade. Ou seja, apresentar medidas que colidem com a lei é, no mínimo, surpreendente.
Por fim o anúncio do projeto-piloto na região de Lisboa e Leiria da pré-triagem das Grávidas que afinal já se estendeu a várias outras unidades de saúde e regiões. Sendo que certo que não é a primeira vez que Portugal recorre a esta estratégia – obrigatoriedade de prévio contacto telefónico (foi assim com o “Dói-Dói, Trim-Trim” é inaceitável que, por parte do Ministério da Saúde, não seja apresentado qualquer outra estratégia, designadamente um Plano de formação e contratação de profissionais de saúde que permitam colmatar estas e as restantes respostas em cuidados de saúde das populações.
A exigência do reforço do SNS continua a ser uma das prioridades dos portugueses. Para que este reforço aconteça é obrigatório investir nos recursos humanos, tornar as carreiras atrativas, decidir por regimes de exclusividade e investir em inovação e equipamentos. Fazer referências à introdução da inteligência artificial assegurando que isso irá minimizar alguns dos constrangimentos atuais é não perceber que cuidar de pessoas faz-se por pessoas.
Pela Enfermagem e pelo SNS, 2025 continuará a ser um ano de forte intervenção do SEP. Desde logo no processo negocial que se iniciará em janeiro sobre Organização do Tempo de Trabalho dos Enfermeiros. Não esperaremos menos do que, o cumprimento da atual legislação com o objetivo de garantir horários mais regulados e, no final, que se cumpra o desígnio de “maior compatibilização da vida pessoal com a profissional”.
Fonte: SEP