APRECIAÇÃO JURÍDICA SOBRE ANTEPROJECTO DE LEI DA IMIGRAÇÃO

 

 

O anteprojecto de Lei da Imigração apresentado pelo Governo visa instituir um novo regime de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território nacional, estabelecendo um regime jurídico mais adequado às actuais realidades da imigração.

 

De acordo com a exposição de motivos do ante-projecto, o que se pretende é adoptar uma política global e integrada de imigração e instituir um quadro jurídico coerente e responsável para regulação da admissão de imigrantes, que permita a concessão de um estatuto jurídico favorável à sua integração na sociedade portuguesa.

 

Em primeiro lugar, é forçoso reconhecer que, de um ponto de vista técnico-jurídico, em relação à lei actualmente em vigor, este projecto apresenta maior clareza e melhor sistematização, permitindo assim uma mais fácil leitura, compreensão e interpretação da lei.

 

O anteprojecto procede ainda à transposição de um conjunto de directivas comunitárias em matéria de imigração emitidas ao longo dos últimos anos, e que ainda não tinham sido devidamente integradas no ordenamento jurídico nacional, com destaque para a criação do estatuto de residente de longa duração.

 

Do ponto de vista material, os aspectos inovadores do novo regime proposto centram-se fundamentalmente nos seguintes aspectos:

 

-        Regime de admissão e residência de cidadãos estrangeiros

-        Afastamento e expulsão de estrangeiros do território nacional

-        Combate à imigração ilegal.

 

Nestas matérias e em especial no que toca ao regime de admissão e residência de cidadãos estrangeiros em território nacional são introduzidas alterações significativas que, de um modo geral, tornam o novo regime proposto mais favorável à integração dos cidadãos estrangeiros na nossa sociedade.

 

Entre as medidas que vão especificamente no sentido do favorecimento da integração podemos citar:

 

a)     O novo regime do direito ao reagrupamento familiar, em especial o alargamento do direito a todos os cidadãos estrangeiros residentes (que decorre da uniformização dos títulos de fixação) e a consideração das uniões de facto;

b)     A concessão de autorização de residência, com dispensa de visto de residência, aos menores nascidos em Portugal, que aqui permaneçam ilegalmente e que frequentem o primeiro ciclo do ensino básico, bem como aos respectivos pais, e aos estrangeiros, filhos de imigrantes legais, que tenham atingido a maioridade e estejam em Portugal desde os 10 anos de idade;

c)      A criação do estatuto de residente de longa duração. 

d)     Introdução de limites gerais à expulsão de estrangeiros do território nacional – não podem ser expulsos os estrangeiros que nasceram, ou  vieram para Portugal antes dos 10 anos, e aqui vivem, bem como aqueles que tenham filhos menores de nacionalidade portuguesa ou residentes em território português sobre os quais exerçam o poder paternal e a quem assegurem o sustento (os limites actualmente em vigor aplicam-se apenas à pena acessória de expulsão)

 

O regime de admissão e residência de cidadãos estrangeiros é sem dúvida o aspecto mais profundamente alterado e também onde se verificam as modificações mais substanciais.

 

Em primeiro lugar, destacamos a uniformização dos títulos de entrada e de permanência em território nacional, que conduz à uniformização do estatuto jurídico dos respectivos titulares, extremamente importante para efeitos de igualdade de tratamento e de igualdade de direitos.

 

O processo de concessão de vistos é aparentemente simplificado - a redução da tipologia de vistos actualmente existente constituiria, só por si, uma simplificação.

Porém, há que notar que a redução de tipos de vistos é mais aparente do que real. De facto, o visto de estudo e os 4 tipos de vistos de trabalho são eliminados e substituídos pelo visto de residência, mas na realidade não temos um único tipo de visto de residência, mas sim vários consoante as respectivas finalidades, e para cada um deles são estabelecidas condições e procedimentos de atribuição distintos.

 

Os vistos de residência passam a ser concedidos para que o seu titular possa solicitar uma autorização de residência, independentemente da finalidade – e as finalidades podem ser diversas, designadamente para exercício de actividade profissional subordinada, independente, alta­mente qualificada ou de investigação, para estudo ou para reagrupa­mento familiar.

 

Assim, em todos estes casos, o título de entrada é o visto de residência e o título de permanência é a autorização de residência.

 

Por outro lado, note-se que passamos a ter:

-        Condições gerais para concessão de visto de residência (aplicá­veis a todos os tipos)

-        Condições específicas para concessão de cada visto de residên­cia em função da respectiva finalidade

-        Condições gerais para concessão de autorização de residência (aplicáveis a todos os tipos)

-        Condições especificas para concessão da autorização de residên­cia em função da respectiva finalidade.

 

No que diz respeito à admissão e fixação de cidadãos estrangeiros para exercício de actividade profissional as principais inovações relacionam-se com:

 

a)     Criação de um visto de estada temporária para exercício de actividade profissional de carácter sazonal, cujo tempo de duração é limitado à duração do contrato de trabalho, não podendo em princípio exceder 6 meses.

Este título é dirigido à imigração puramente temporária, sazonal e não permite a fixação de residência.

Levanta algumas dúvidas quanto à definição do carácter temporário da actividade: este define-se apenas pela duração do contrato ou pela própria natureza da actividade?

 

b)     Criação de visto de estada temporária, de visto de residência e de autorização de residência especialmente destinados ao exercício de actividade profissional de investigação ou altamente qualificada.

O objectivo é claramente promover a imigração e a fixação deste tipo de trabalhadores

 

Constatamos, porém,  uma clara e algo chocante diferença de tratamento entre tra­balhadores estrangeiros que pretendam exercer uma simples actividade profissional subordinada e aqueles que pretendam exercer actividade profissional (ainda que subordinada) altamente qualificada ou na área da investigação.

Ainda que seja compreensível a intenção de promover a entrada de tra­balhadores estrangeiros qualificados ou investigadores, tal não justifica a criação de títulos de 1ª e 2ª classes de imigrantes.

Por outro lado, no que toca a investigadores e trabalhadores altamente qualificados não se prevê o cumprimento do princípio da preferência nacional e comunitária como sucede relativamente aos restantes traba­lhadores, o que nos parece contraditório com o objectivo (que pensamos óbvio e essencial) de incentivar a permanência e mesmo o regresso dos nacionais com tais qualificações.

 

c)       A concessão de visto de residência para exercício de actividade profissional subordinada continua dependente da definição de contingentes ou quotas, fixados tendo em conta um princípio de preferência nacional e comunitária alargado, exigindo-se ainda, além das condições gerais, a existência de um contrato ou promessa de contrato de trabalho ou, no mínimo, desde que o requerente possua habilitações, competências ou qualificações reconhecidas numa das áreas abrangidas pelas quotas, uma proposta individualizada de interesse da entidade empregadora – na prática, uma promessa informal de trabalho ou «carta de chamada».

 

d)     A autorização de residência passa a ser o único título válido para fixar residência no nosso país. A sua concessão está condicionada à posse de visto de residência, inexistência de condições penais relevantes, inexistência de interdição de entrada ou de indicação na lista Schengen, meios de subsistência, alojamento, inscrição na segurança social (se aplicável) e ainda a um conjunto de condições específicas que variam consoante a finalidade da fixação.

 

e)     A autorização de residência para exercício de actividade profissional subordinada só é concedida, em princípio,  aos titulares de visto de residência que possuam contrato de trabalho legalmente celebrado e inscrição na Segurança Social 

Excepcionalmente prevê-se a concessão de autorização de residência a um trabalhador estrangeiro que não possua visto de residência, mas que tenha entrado e permanecido legalmente em Portugal e preencha as restantes condições.

De notar que este mecanismo, apesar de constituir uma ligeira abertura à regularização de algumas situações, não tem carácter geral e depende de proposta do Director geral do SEF ou de iniciativa do Ministro da Administração Interna. Será logicamente de aplicação muito reduzida.

 

Temos ainda a salientar a consagração de um conjunto de direitos definidores do estatuto jurídico do titular de autorização de residência, a qual nos oferece algumas dúvidas.

 

A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 15º, estabelece um princípio geral de igualdade de direitos e deveres entre o cidadão português e os estrangeiros que residam em território português.

 

Neste contexto, a enumeração de um conjunto de direitos de que goza­ria o cidadão estrangeiro titular de uma autorização de residência pode ser redutora daquele princípio constitucional, inculcando a ideia de que os direitos que lhe assistem são apenas estes.   

Por outro lado, os direitos atribuídos ao titular de autorização de residência são diferentes e mais reduzidos do que os previstos para o residente de longa duração, estes sob a epígrafe de «igualdade de tratamento», o que nos reconduz de novo ao princípio constitucional – então estes estrangeiros residentes de longa duração têm direito à igualdade de tra­tamento e os outros, titulares de autorização de residência, não têm, apesar de a nossa Constituição não fazer qualquer distinção?

Finalmente, há que destacar a previsão de um regime transitório segundo o qual:

-        Todos os titulares de autorização de permanência, visto de trabalho, visto de estada temporária com autorização de trabalho e prorrogação de permanência com autorização de trabalho, concedidos ao abrigo dos regimes actualmente vigentes, passam a considerar-se requerentes de autorização de residência, contando o período em que permaneceram legalmente em território nacional para efeitos de concessão de autorização de residência permanente;

-        Todos os pedidos de prorrogação de permanência ao abrigo do artigo 71º do DReg 6/2004 e ao abrigo do Acordo Luso-Brasileiro, que estejam pendentes, são automaticamente transformados em pedidos de autorização de residência.

  

No que toca ao combate à imigração ilegal, temos a destacar o agravamento da moldura penal de alguns crimes, a criação de novos crimes e o agravamento das sanções aplicáveis às entidades empregadoras de imigrantes em situação ilegal – sem que no entanto seja alterado o regime que determina o afastamento ou expulsão dos trabalhadores em situação irregular.

 

 

Concluindo:

O presente anteprojecto de lei da imigração, muito embora não corresponda a uma alteração significativa das orientações gerais da política de imigração  contém aspectos  positivos e em especial algumas medidas que vão no sentido do favorecimento da integração dos imigrantes na sociedade portuguesa.

 

A criação de um título uniforme de residência em território nacional para todos os cidadãos estrangeiros que pretendam fixar-se em Portugal é um passo importante para a uniformização do respectivo estatuto jurídico e para a igualdade de direitos a todos os níveis.

 

Não podemos, no entanto, deixar de sublinhar que, apesar destes sinais positivos, este anteprojecto não oferece solução para duas questões que a CGTP-IN sempre tem considerado fundamentais em matéria de imigração:

 

-        A regularização de todos os cidadãos estrangeiros que trabalham, ou já tiveram uma relação de trabalho, mas que não dispõem de título válido de permanência em território nacional;

-        O combate ao trabalho clandestino e ilegal de trabalhadores imigrantes e à exploração patronal sem penalização dos próprios trabalhadores, isto é, sem repatriamento automático destes.