A proposta do Governo, a ser concretizada, significa uma mudança profunda na segurança social, ao arrepio de declarações anteriores do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social no sentido de reajustamentos graduais do sistema já que o principal problema resulta da difícil situação económica e não do funcionamento do sistema.
LINHAS ESTRATÉGICAS DA REFORMA DA SEGURANÇA SOCIAL
Apreciação da CGTP-IN
I.APRECIAÇÃO NA GENERALIDADE – UMA PROPOSTA INACEITÁVEL
1. Uma proposta inaceitável
A proposta do Governo, a ser concretizada, significa uma mudança profunda na segurança social, ao arrepio de declarações anteriores do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social no sentido de reajustamentos graduais do sistema já que o principal problema resulta da difícil situação económica e não do funcionamento do sistema.
A mudança constante de normas importantes do sistema cria uma situação de insegurança e de alarmismo na população, que a CGTP-IN firmemente condena. E descredibiliza o próprio processo de reforma. Vale a pena lembrar que passaram apenas cinco anos desde que o Governo firmou um importante acordo sobre a reforma da segurança social, através do Acordo de Modernização da Protecção Social de 2001. Disse-se então que a sustentabilidade estava assegurada durante um longo período. Porém, passados estes 5 anos, vem agora o Governo a anunciar uma nova política de reforma quando nem sequer foram postas em prática medidas essenciais contidas naquele acordo, como as que se referem à diversificação das fontes de financiamento.
As medidas anunciadas pelo Governo, primeiro na Assembleia da República depois na Comissão Permanente de Concertação Social (CPCS), foram relacionadas com a sustentabilidade do sistema. A CGTP-IN pensa tratar-se de uma lógica redutora que pode ter feitos perversos. Na verdade, não é aceitável relacionar a redução de direitos com a sustentabilidade. Estamos dispostos a discutir todas as medidas necessárias perenidade do sistema, mas não aceitamos que a sustentabilidade se tenha de traduzir na redução de direitos.
O aspecto dominante da proposta do Governo, de ligar as pensões à esperança média de vida, é totalmente inaceitável para a CGTP-IN. O trabalhador é colocado perante três escolhas: uma redução da pensão; o aumento da idade de reforma; mais descontos para a segurança social. Por esta via haverá uma redução do nível de segurança social ou um aumento da idade de reforma, uma medida que até agora o Ministro da tutela desmentia. Defraudam-se assim expectativas criadas na sociedade, que conduziram à derrota dos governos e das políticas de direita nas últimas eleições legislativas. O Governo ao apresentar estas propostas insiste nas mesmas políticas que penalizam quem trabalha
Não se pode omitir o impacto da situação económica sobre a segurança social, apesar de antes o Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social ter reconhecido ser este o problema principal. Disse então que a verdadeira batalha era a economia (entrevista ao Jornal de Negócios, 10.2.05). Ora a deterioração nos últimos anos resulta em boa parte do abrandamento económico verificado a partir de 2000: a economia cresce menos, os salários estagnam e o desemprego sobe. A segurança social sofreu este impacto através de um menor crescimento das contribuições e de um forte aumento da despesa com o subsídio de desemprego. Há pois que separar entre factores resultantes de uma conjuntura económica desfavorável e factores estruturais, evidenciando-se nestes o envelhecimento da população e a tendência para as empresas fazerem reestruturações e despedimentos à custa da segurança social.
A proposta do Governo apoia-se em projecções demográficas e económicas controversas. O período de projecção (de 2005 a 2050) é excessivamente longo, face ao grau de incerteza existente, não sendo compreensível a não apresentação de cenários alternativos. Nas projecções demográficas, realçamos que se nos afiguram ser questionáveis as hipóteses relativas à imigração. As dúvidas são ainda maiores quanto às projecções económicas. Estas parecem ter implícita a ideia de que um crescimento económico significativo não será alcançado, nem no médio nem no longo prazo, e que a actual tendência de divergência com o crescimento médio comunitário vai ser mantido no futuro. Não aceitamos um tal cenário porque não nos resignamos a termos um país atrasado. É pois crucial mudar de políticas porque as actuais, fundadas num modelo de crescimento esgotado, levam às consequências que esta proposta evidencia.
Há quem subestime o conteúdo das projecções com o argumento de que se trata de meros exercícios, que são úteis na medida em que funcionam como sinais de alerta para problemas a enfrentar em resultado do prolongamento no futuro de tendências actuais. Mas este argumento não é aceitável quando projecções irrealistas, fundadas em pressupostos fortemente questionáveis, são usadas para retirar consequências imediatas em termos de enfraquecimento da segurança social pública.
O Governo quase que fecha as possibilidades de reforma do modelo de financiamento, apesar de reconhecer as “limitações de um modelo de financiamento muito assente em contribuições sobre os salários”. Não se referem as novas formas de financiamento da segurança social apesar de em 2001 ter subscrito com os parceiros sociais um acordo de concertação social que apontava nesse sentido. Nem os próprios estudos avançaram.
É gritante a contradição como se encara a esperança de vida. O envelhecimento é encarado como uma ameaça para as pessoas, porque pode reduzir as suas pensões e levar ao colapso do Estado Social. Mas se pessoas têm maior longevidade e se vivem melhor até mais tarde, isto só pode ser um progresso social, nunca um retrocesso. Para a CGTP-IN não é aceitável serem os trabalhadores a pagar os efeitos de uma maior longevidade, da qual beneficia toda a população. Faz-se também um apelo ao prolongamento da vida activa. Mas na realidade concreta dos locais de trabalho continua o desenvolvimento de políticas que expulsam precocemente do trabalho milhares e milhares de trabalhadores, na casa dos 40 ou dos 50 anos.
A CGTP-IN considera absurda a proposta sobre a modulação da taxa contributiva em função do número de filhos e espera que o bom senso prevaleça. O Governo sabe bem que os efeitos de uma tal medida sobre a natalidade serão nulos. A solução tem de passar por uma política global que articule aspectos como o apoio às famílias, a estabilidade de emprego, a conciliação entre o trabalho e a vida familiar e a elevação do nível de rendimento. Um ponto essencial é um maior investimento em infraestruturais que permitam que os casais trabalham e tenham filhos. Até agora, o Governo elogiava a experiência dos países nórdicos que apostam exactamente neste sentido. Variar a taxa social única apenas servirá para dar a ideia de que se faz alguma coisa, quando é o contrário que acontece.
2. Uma revisão feita à pressa?
O calendário proposto pelo Governo na concertação social indica que pretende concluir rapidamente o processo de discussão e de um eventual consenso sobre as medidas de reforma – ainda antes do Verão! A CGTP-IN não entende esta pressa, que é sempre a pior das conselheiras. Tudo o desaconselha: o facto de ser uma matéria altamente sensível para os trabalhadores e a população em geral; o elevado número de matérias a discutir, que vão desde a pretensão do Governo de introduzir o chamado factor de sustentabilidade, ao financiamento, aos incentivos à natalidade, à actualização das pensões, às reformas antecipadas, etc.; a necessidade das organizações discutirem com os seus filiados medidas de reforma, sejam as avançadas pelo Governo, sejam as que elas próprias proponham; a complexidade, incluindo a dimensão técnica, das matérias em jogo; a experiência de outros processos de reforma, como o que conduziu ao acordo de Modernização da Protecção Social, que demonstraram sem equívocos que ter um tempo de discussão adequado é fundamental; a eventual necessidade de reuniões bilaterais entre o Governo e as várias confederações; a experiência de países que fizeram reformas ao longo de períodos longos, porque consideraram que era imperativo envolver a sociedade em problemas que são de todos.
II.APRECIAÇÃO NA ESPECIALIDADE
1.Situação actual do sistema de segurança social
O documento do Governo procede a uma caracterização sumária da segurança social, sendo composto essencialmente por quadros estatísticas. Foi também distribuído o Relatório Técnico sobre a Sustentabilidade da Segurança Social. Sem prejuízo de considerar útil a informação disponibilizada, a CGTP-IN considera há outras carências evidentes a suprir. A mais saliente refere-se à aceleração dos mecanismos de transição para a nova fórmula do cálculo das pensões. O novo cálculo entrou em vigor em 2002, pelo que será crucial ter elementos de avaliação da aplicação do novo cálculo, para a esta luz analisar a proposta do Governo. Há também a necessidade de o Governo disponibilizar informação desagregada tendo em conta os vários subsistemas e regimes da segurança social.
Alguns dos quadros merecem uma reflexão aprofundada. Por exemplo, verifica-se que nas pensões de velhice do regime geral iniciadas em 2005 mais de 60% (63,5%) têm valores inferiores a um salário mínimo. Um valor tão elevado não pode ser apenas explicado pelos baixos salários, ainda que este seja um factor muito relevante, nem pela carreira contributiva. Julgamos que traduz também fenómenos de subdeclaração de remunerações, a que há que por termo.
2. A evolução prevista no longo prazo
Este ponto prende-se com a sustentabilidade da segurança social no longo prazo. O Governo centra os problemas (os riscos) nas questões demográficas, basicamente no aumento da esperança de vida. Deste modo, algo que é inequivocamente um progresso civilizacional aparece como um “risco”, o que só por si demonstra a que absurdo pode conduzir uma perspectiva redutora da segurança social. Os aspectos da criação e da distribuição da riqueza são totalmente ignorados.
O cenário macroeconómico de longo prazo será sempre uma incógnita devido ao alto grau de incerteza. Mas vale a pena considerar os seus pressupostos. Prevê-se que a economia recupere no médio prazo (atinge-se em 2009 uma taxa de 3%), mas depois o crescimento baixa, sendo de 2% no período de 2015 a 2050. Esta projecção tem implícita a ideia de que o país vai continuar a divergir face ao crescimento comunitário, o que nos pode arrastar, definitivamente, para a cauda da Europa. Traduz também, a nosso ver, o cepticismo do Governo em relação aos resultados a prazo da sua própria política, já que seria de esperar uma atitude de maior optimismo sobre as consequências na economia do Plano Tecnológico. A CGTP-IN não pode aceitar um tal cenário porque condena o país ao atraso e ao não desenvolvimento.
O Governo quase que fecha as possibilidades de reforma do modelo de financiamento, apesar de reconhecer as “limitações de um modelo de financiamento muito assente em contribuições sobre os salários”. Esta posição está em contradição com os compromissos assumidos, mas não honrados, do Governo no Acordo de Modernização da Protecção Social de 2001 no sentido de uma reformulação daquele modelo de financiamento.
3.Uma agenda de mudança
Ainda que este ponto tenha por objectivo introduzir as medidas preconizadas, merece comentário o facto de ser apresentada uma caracterização do sistema de segurança social baseada em três patamares que não tem exacta correspondência na legislação em vigor.
Refere-se ainda a introdução no subsistema (incorrectamente chamado de patamar e de pilar) de protecção social de cidadania do complemento solidário para idosos que entrou em vigor este ano. A CGTP-IN valoriza devidamente esta medida, mas entende que houve expectativas criadas na sociedade pelo Governo que foram defraudadas e considera inaceitável que, para efeitos do cálculo da prestação, seja tido em conta os rendimentos dos filhos dos requerentes, o que provoca discriminações entre os idosos.
3.1 Uma protecção social mais justa, capaz de enfrentar os riscos do envelhecimento
Este ponto aborda diversas matérias: a introdução de um factor de sustentabilidade no cálculo das pensões relacionado com a esperança média de vida; o estabelecimento de regras de actualização das pensões; a fixação de um tecto no valor das pensões; a aceleração dos mecanismos de transição para a nova fórmula do cálculo das pensões; a convergência da idade real de reforma para os 65 anos; os incentivos à natalidade.
3.1.1 Introdução de um factor de sustentabilidade no cálculo das pensões relacionado com a esperança média de vida
A posição do Governo de ligar as pensões à esperança média de vida é totalmente inaceitável. O trabalhador é colocado perante três escolhas: a redução da pensão; o aumento da idade de reforma; mais descontos para a segurança social. O corte na pensão poderia ser muito significativo. Utilizando os dados fornecidos pelo Governo, um trabalhador que entrasse no mercado de trabalho em 2010 e que se reformasse em 2050 teria, face a um aumento médio da esperança de vida de 5,6 anos, um corte na pensão que poderia alcançar 28%. Poderia ser ainda superior bastando um aumento mais significativo da esperança de vida. A segunda hipótese conduz ao aumento da idade de reforma, uma medida que o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social tinha dito, até agora, excluir. Finalmente, o aumento de descontos para a segurança social responsabilizaria os trabalhadores pelo envelhecimento, quando este é um problema de toda a sociedade.
O envelhecimento da população é antes de tudo uma conquista civilizacional. As pessoas vivem mais anos e em melhores condições de saúde até mais tarde. Há condições objectivas para se trabalhar até mais tarde, o que não significa que os trabalhadores sejam coagidos a trabalhar até mais tarde, mas antes desenvolver políticas de promoção do envelhecimento activo. Pensar o envelhecimento como um drama, ou como um factor que conduz ao colapso o Estado Social, quando a riqueza produzida mantém uma tendência histórica de subida, não faz qualquer sentido.
Isto não significa que o envelhecimento não coloque problemas importantes à sociedade em todos os domínios. Na área económico-social, podem salientar-se as implicações na redução da população activa, na saúde (onde se destaca, pela sua acuidade, o problema da dependência) e na segurança social (as pensões são pagas durante mais tempo).
Se o envelhecimento coloca questões a todos os níveis, a resposta não pode confinar-se à segurança social, muito menos aos trabalhadores que para ela descontam. Seria não só errado como socialmente injusto.
Uma resposta global passa pela articulação de quatro vertentes fundamentais (ver esquema anexo): economia, emprego, saúde e segurança social. Em cada uma destas vertentes os aspectos principais a considerar são:
- Economia. É um factor fundamental porque o problema da segurança social é, em boa parte de natureza exógena, isto é resulta do facto de haver um fraco crescimento da economia. Em termos de futuro, não basta crescer, mas crescer com base na elevação da produtividade para gerar riqueza que deve ser melhor distribuída, o que também passa pela melhoria do poder de compra dos salários. É estratégico a qualificação dos activos, através de medidas de educação e de formação;
- Emprego. Destacam-se quatro aspectos: a elevação da taxa de emprego; a promoção do envelhecimento activo, combatendo a saída precoce do mercado de trabalho e tornando o trabalho mais atractivo; o combate à economia clandestina, que deve ser declarada uma actividade intolerável; a redução da precariedade de emprego, incluindo a regularização da situação dos falsos independentes;
- Saúde. Considera-se, como mais importante, a necessidade desenvolver uma política de ganhos de saúde e de responder de um modo consistente ao problema da dependência. A CGTP-IN propõe que seja feito ainda este ano um estudo de base sobre a dependência como forma que pode potenciar uma discussão alargada do problema da dependência na sociedade;
- Segurança Social. Os pontos mais importantes são: o desincentivo à saída precoce do mercado de trabalho, já referido; o cálculo de pensões com base na carreira contributiva, o que corresponde a um processo em curso, decorrente do Acordo de concertação social de 2001; o necessário investimento em infraestruturas de apoio às famílias; a revisão do financiamento.
Não se ignora que uma estratégia deste tipo tem custos, o que exige mais recursos e maior justiça fiscal. Mas trata-se de opções a tomar frente a problemas que serão cada vez mais cruciais à medida que o tempo passa. Não está provado que maiores recursos fiscais entravem o crescimento e é de salientar que o chamado modelo nórdico, tão apregoado pelo Governo, assenta num elevado nível de fiscalidade.
Na área da segurança social, o sistema precisa de mais recursos não só pelo envelhecimento, mas devido a outras razões como um elevado subsistema não contributivo, ou de solidariedade.
A CGTP-IN pensa que há que consolidar o financiamento da segurança social, com base nos seguintes aspectos principais:
- Financiamento da acção social e do subsistema de solidariedade com base nos impostos como hoje acontece;
- Reconfiguração do financiamento do subsistema de protecção à família e de políticas activas de emprego e de formação profissional, com o financiamento pelo Orçamento de Estado: encargos familiares; prestações sociais cuja atribuição seja sujeita a condição de recursos, designadamente o subsídio social de desemprego; isenções ou isenções temporárias das taxas contributivas; encargos com a dependência. Inclusão neste subsistema das despesas com o subsídio de desemprego na componente de despesa relativa à equiparação a desemprego involuntário das rescisões por mútuo acordo;
- Revisão do sistema de financiamento do subsistema previdencial de acordo com o preconizado no Acordo de Modernização da Segurança Social. A CGTP-IN não propõe um método de modificação radical do modelo de financiamento. Propõe que as contribuições sobre os salários deverão ser complementadas por uma taxa contributiva incidindo sobre a diferença entre o VAB e os salários (taxa sobre o valor acrescentado). Outras medidas devem ser consideradas como a autonomização financeira do regime dos trabalhadores independentes (como determina o artigo 3º do Decreto-Lei n.º 328/93, de 25 de Setembro) e a fixação do princípio de que a incidência contributiva deve ser feita em função de rendimentos efectivos;
- Revisão do financiamento do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social e que este deve conter uma componente destinada a suportar o impacto do envelhecimento (aumento do número de anos em que se pagam pensões, devido ao aumento da esperança de vida). Defende que este fundo, nas suas duas componentes, financeira e demográfica, deve ser alimentado por: contribuições dos trabalhadores e pelas outras fontes de financiamento nos termos da legislação em vigor; consignação de impostos indirectos; verbas de um imposto sobre a riqueza, a criar; verbas de um imposto extraordinário, a criar, de 0,25% sobre todas as transacções realizadas na bolsa da tributação indirecta e da tributação de mais valias bolsitas.
3.1.2 Estabelecimento de regras de actualização das pensões
Propõe-se a substituição do salário mínimo nacional como referencial de actualização das pensões mínimas por um novo indexante dos apoios sociais e a fixação de regras de actualização das pensões.
Em relação à primeira matéria, a CGTP-IN propôs uma estratégia de valorização do salário mínimo nacional, de modo a alcançar 500 euros em Janeiro de 2010.
Em relação à segunda, pretende-se a fixação de uma fórmula de actualização automática das pensões, com vista a evitar a “discricionariedade da decisão política”. Proceder-se-ia a uma indexação da variação das pensões a duas variáveis, a inflação e o PIB. A CGTP-IN admite a melhoria do procedimento da actualização das pensões, mas, a haver indexação, tem de se conhecer primeiro a respectiva fórmula. Em qualquer dos casos, não é aceitável que apenas se pretenda garantir “a reposição do poder de compra das pensões mais baixas”.
Trata-se de continuar uma política que se tem traduzido na diminuição do poder de compra das pensões com valores acima das mínimas, como tem ocorrido no período de 2000 a 2005. O mesmo acontecerá este ano já que as pensões acima das mínimas tiveram um aumento de 2,3% enquanto a inflação se poderá fixar acima de 2,5%. Esta política traduz uma visão assistencialista da segurança social sendo penalizadora dos trabalhadores que mais contribuem para o sistema.
A CGTP-IN entende que a não valorização das pensões com valores acima das mínimas é injusta, porque abrange o grosso dos trabalhadores que mais contribuem para o sistema, e pode ter mesmo efeitos perversos, estimulando a subdeclaração de salários.
3.1.3 Fixação de um tecto no valor das pensões
O Governo considera “adequado proceder a uma limitação superior e a um congelamento anual de todas as pensões com valores muito elevados, mas sempre com valores socialmente aceitáveis”.
Este é um tema onde alguma verdade esconde muita demagogia e onde muito se não diz. A verdade é que o grosso das pensões tem valores muito baixos. No sistema previdencial, verifica-se que nas novas pensões de velhice em 2005 existem apenas 456 pensionistas cuja pensão excede 8 salários mínimos num total de 84273 (0,5%)[1]. Naturalmente que há pensões escandalosas em Portugal. Mas, em vez de se por o dedo na ferida dizendo quem abrange e como foram adquiridas, prefere-se dar a ideia de que se trata de um fenómeno com elevada expressão. Além de que se mete no mesmo saco dois tipos de pensões altas: as que são “fabricadas” e as que resultam de descontos sobre salários altos e de longas carreiras contributivas, sendo portanto legítimas. Naturalmente que há pensões escandalosas em Portugal. Mas, em vez de se por o dedo na ferida dizendo quem abrange e como foram adquiridas, prefere-se dar a ideia de que se trata de um fenómeno com elevada expressão. Além de que se mete no mesmo saco dois tipos de pensões altas: as que são “fabricadas” e as que resultam de descontos sobre salários altos e de longas carreiras contributivas, sendo portanto legítimas.Na nossa opinião, há que discutir este tema com maior frieza e separar o que não se deve juntar. Por exemplo, entendemos que não deve haver limitações em pensões formadas com base em toda a carreira contributiva.
3.1.4 Aceleração dos mecanismos de transição para a nova fórmula do cálculo das pensões
O documento é muito pouco claro. Sustenta-se que a fórmula de cálculo com base em toda a vida contributiva é mais justa, dizendo não ser “aceitável que aqueles que podem, concentrem os seus descontos no final da carreira contributiva, prejudicando todos os que descontam com verdade ao longo de toda a sua vida profissional”. A CGTP-IN defendeu esta medida, por isso subscreveu o Acordo de Modernização da Protecção Social de 2001. Só que não é isto que está em causa, mas apenas e só a aplicação dos mecanismos de transição.
A Lei de Bases de 2000 (Lei 17/2000 de 8.8) estabeleceu que o cálculo das pensões de velhice e de invalidez tenha por base, de um modo gradual e progressivo, os rendimentos do trabalho, revalorizados, de toda a carreira contributiva (art. 57º, nº 3). No início de 2002, o DL 35/02 de 19 de Fevereiro procedeu à alteração das regras de cálculo das pensões no âmbito do subsistema previdencial, na sequência do referido acordo de concertação social de 2001.
O período transitório relativamente longo foi o resultado de uma negociação. Teve como finalidade salvaguardar os direitos adquiridos e em formação e enraizar atitudes de uma maior responsabilização, dos empregadores mas também dos trabalhadores, para com a segurança social. Valerá a pena salientar que foi a CGTP-IN quem preconizou a passagem para um cálculo baseado em toda a vida contributiva porque estava e está convicta de que é um modo socialmente mais justo de determinar as pensões. Mas a passagem para o novo modelo pode ter custos sociais se esta não fosse gradual. O Governo admiti-o, pois refere que a aceleração dos mecanismos de transição causará uma baixa no valor de algumas pensões. A CGTP-IN considera, pois, que primeiro que tudo se impõe a transparência. O Governo deve fornecer quer o balanço da aplicação do novo cálculo quer os estudos a que procedeu sobre o impacto no valor das pensões da aceleração dos mecanismos de transição.
3.1.5 Convergência da idade real de reforma para os 65 anos
A CGTP-IN considera que se trata de um título infeliz porque uma estratégia de promoção do envelhecimento activo não é incompatível com a manutenção de regimes de antecipação da idade legal de reforma. Pode dar-se a ideia de que todos no futuro se têm de reformar aos 65 anos, ponto final. A este respeito não queremos deixar de dizer que o Governo tem sido bem pouco coerente já que na discussão em concertação social da revisão do subsídio de desemprego manteve uma excessiva equiparação de rescisões por mútuo acordo a desemprego involuntário.
Na nossa opinião, uma estratégia global de resposta tem de passar, sobretudo:
- Por medidas de promoção do envelhecimento activo centradas na melhoria do trabalho, na sua adaptação aos trabalhadores de mais idade, na acção contra os preconceitos existentes sobre a baixa de rendimento profissional com a idade, no efectivo acesso à formação profissional, na melhoria das condições de segurança, higiene e saúde no trabalho, etc.
- Pela restrição da equiparação de rescisões por mútuo acordo a desemprego involuntário para efeitos da concessão do subsídio de desemprego;
- Pela coerência e melhoria dos regimes de antecipação com base no exercício de actividade profissional especialmente penosa ou desgastante. A CGTP-IN considera que há extensões a fazer, como é o caso dos trabalhadores com turnos em períodos nocturnos;
- Pela revisão do regime de flexibilização em que o trabalhador tem maior liberdade no acesso à reforma com a fixação de um factor de redução da pensão que seja neutra para a segurança social em termos financeiros;
- Pela consagração do conceito de carreira contributiva muito longa com efeitos na antecipação da idade de acesso à reforma sem penalizações;
- Pela melhoria dos incentivos de postecipação da idade de reforma.
3.1.6 Incentivos à natalidade
A CGTP-IN considera um absurdo a diferenciação da taxa social única em função do número de filhos e espera que o bom senso prevaleça. Em síntese, entendemos que:
- Não é aceitável discriminar as famílias com menos filhos, até porque as razões são muito complexas e diferenciadas. Ter uma família numerosa é hoje, sobretudo, um privilégio de ricos. A proposta de modulação significa essencialmente dar aos ricos que têm famílias numerosas e tirar a todos os que não podem ter mais filhos;
- Nada demonstra que a diferenciação da TSU influencie o comportamento das famílias. Já agora, seria bom, que o Governo mostrasse estudos que provem uma tal relação;
- O problema é sério, mas a contribuição essencial terá de vir de uma política global, articulando diversas vertentes (apoio às famílias, emprego, rendimento, etc.). Nela se deve inserir um programa ambicioso de infra-estruturas que permitam que os casais trabalham e tenham filhos. Não o fazer e avançar com esta medida apenas servirá para o Governo pretender fazer passar a ideia de que faz alguma coisa, quando de facto não faz;
- O Governo repete a história de outros governos que dizem dever ser criada uma verdadeira taxa social única, face à proliferação de isenções e de reduções existentes, mas que depois não o fazem – mas criam novas diferenciações. Foi assim, por exemplo, com o anterior Governo.
A CGTP-IN não aceita esquemas simplistas. A situação dos casais jovens deve ser destacada, se de facto se quer enfrentar a sério o problema da natalidade. O que a realidade mostra é que os jovens, apesar de terem um nível de educação mais elevado ao dos seus pais, têm uma inserção desfavorável no mercado de trabalho: a taxa de desemprego á o dobro da média; têm uma elevada precariedade; estão altamente concentrados em empregos de baixos salários e qualificações; são vítimas de normas discriminatórias, como o Código de Trabalho quando determina que os contratos a prazo sejam a norma para os que procuram o primeiro emprego, independentemente da natureza, permanente ou temporária, do posto de trabalho. É justo que estes casais jovens tenham de pagar mais para a segurança social por terem poucos filhos?
A CGTP-IN defende que uma política global que possa ter efeitos positivos na natalidade tem de ter em conta:
- A elevação dos rendimentos das famílias, particularmente dos jovens;
- A eliminação progressiva da economia clandestina e a redução da precariedade de emprego (pode um casal jovem com empregos precários pensar em ter muitos filhos?);
- O aumento das infraestruturas de apoio às famílias, particularmente no apoio à infância e à terceira idade, sobretudo na vertente da dependência.
3.2 Uma protecção mais eficaz, porque melhor ajustada à nova realidade social
As propostas apresentadas são excessivamente genéricas, sendo dadas poucas indicações daquilo que se pretende. O que significa “aprofundamento da convergência dos regimes de protecção social concretizada em 2005”? Significa que o Governo vai rever de novo as regras relativas às pensões no regime de segurança social dos trabalhadores da Administração Pública?
Há, por outro lado, uma perspectiva geral de diferenciação das prestações, expressão que muitas vezes encobre um desígnio de pôr em causa a universalidade do sistema. Por isso consideramos que o Governo deve explicitar as medidas que preconiza, para se conhecer os efeitos das medidas pretendidas. É o caso da pensão de sobrevivência, onde há que saber o que se pretende com a introdução do “princípio da diferenciação positiva das prestações a atribuir a órfãos e cônjuges sobrevivos”.
A CGTP-IN considera que se justifica um reforço de protecção social nalgumas eventualidades. É o caso da invalidez. Vivemos numa realidade que se pode caracterizar pelo aumento da incidência da violência e da sinistralidade, apresentando o país uma situação calamitosa no que respeita à sinistralidade rodoviária. As faixas etárias mais jovens são particularmente atingidas. Esta realidade não tem sido suficientemente ponderada nas suas consequências quer ao nível da protecção na invalidez (justifica-se aqui um menor período de garantia) quer na protecção das pessoas com deficiência.
3.3 O aprofundamento da adequação e da diversificação das fontes de financiamento
As propostas incluídas neste ponto correspondem a propostas que a CGTP-IN tem defendido. Mas não chegam por si só, como já atrás se referiu.
3.4 Estabilização das receitas do sistema: atacar de frente a evasão, eliminar a dívida à segurança social
A CGTP-IN salienta a inclusão de propostas que tem vindo a reclamar como a eliminação da subdeclaração de rendimentos à segurança social, a revisão do regime de contra-ordenações e a melhoria da eficácia do cruzamento de dados com outra entidades. Mas pensamos ser necessário ir mais longe. O Governo parece confiar em excesso nas novas tecnologias para combater a fraude e a evasão e eliminar a dívida à segurança social. Nada se tem contra a utilização destas tecnologias que constituem hoje um elemento incontornável. Sem a sua utilização não haverá combate sério a estes fenómenos. Mas não é suficiente porque é necessário reforçar os meios de fiscalização. E sabe-se que não existem inspectores em número suficiente para a dimensão do problema.
Devem também prever-se outras medidas como: o cruzamento sistemático e não pontual de dados à Administração Fiscal e à Segurança Social; o reforço e a articulação dos serviços de inspecção, o que tem de passar pelo aumento do número de inspectores e do número de inspecções ás empresas; o reforço das sanções às empresas por comportamentos de fraude, através, designadamente do não acesso a medidas activas de emprego; a afixação nas empresas, em lugar acessível a todos os trabalhadores, de uma cópia da declaração de remunerações acompanhado do recibo de pagamento à Segurança Social.
Um ponto essencial para a CGTP-IN é o de criar instrumentos de acompanhamento, controlo e avaliação das medidas tomadas. Este é um ponto crítico na segurança social e na governação em geral – ter-se uma pletora de medidas que ou não são aplicadas, ou são-no parcialmente. E não se dispor de informação suficiente para avaliar a eficácia. Dando apenas dois exemplos: qual a eficácia das medidas existentes de criminalização de comportamentos de evasão contributiva?; e qual o balanço da aplicação das medidas inseridas no acordo de modernização da protecção social?
É preciso dispor de meios de informação, incluindo as estatísticas, sobre a execução de programas e a aplicação de medidas, de forma a ter-se uma visão de conjunto. Neste sentido preconiza-se:
- A informação regular da Assembleia da República e do Conselho Nacional de Solidariedade e de Segurança Social, através de relatórios trimestrais, sobre a execução das medidas respeitantes a dívidas de contribuições e de evasão contributiva, incluindo a subdeclaração de remunerações à segurança social e a divulgação dos resultados da acção de cruzamento de dados, com informação quantitativa e qualitativa;
- A divulgação regular de informação sistemática no sítio da segurança social na Internet;
- A publicação de estatísticas mensais sobre as contribuições, abrangendo o atraso no pagamento de contribuições e a dívida de contribuições;
- A publicitação de contribuintes com dívidas de contribuições.
3.5 O reforço das poupanças complementares
O documento indica que o Governo pretende reintroduzir benefícios fiscais aos planos de poupança individual para a reforma e decidir sobre o aprofundamento dos benefícios fiscais às poupanças de base profissional.
A CGTP-IN nada tem contra a utilização pelos trabalhadores de poupanças individuais para fins de reforma. Para isso, é naturalmente necessário aumentar os salários, porque doutra forma todo o rendimento recebido pelos trabalhadores será canalizado para o consumo. A utilização das poupanças depende sobretudo da escolha das pessoas.
O que a CGTP-IN não aceita é o argumento de que se deve favorecer a utilização das poupanças para fins de reforma enquanto meio de compensação da redução da segurança social pública. Tem também reservas quanto aos benefícios fiscais porque está provado que estes reduzem a justiça fiscal, limitando a progressividade, pondo em causa o princípio constitucional de que o imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo (art. 104º). O nosso sistema fiscal já é injusto. O que importa é pois diminuir essa injustiça e não aumentá-la.
Os planos de pensões de base profissional estabelecidos nas convenções colectivas de trabalho não constituem uma solução para os problemas da segurança social. A CGTP-IN reafirma que não se opõe a estes planos, que, aliás, negociou em muitos contratos colectivos de trabalho. Mas não aceita que se possam desenvolver num quadro de fragilização ou de redução da segurança social pública. O Governo refere que na banca representam o único pilar de protecção para a reforma dos trabalhadores. Curiosamente, discute-se neste sector a integração plena dos seus trabalhadores na segurança social.
DIF/CGTP-IN
Lisboa, 2006-05-29
[1] Note-se que se trata das novas pensões, as quais têm valores mais altos. Se considerássemos todas as pensões de velhice, teríamos 2555 com valores acima de 8 salários mínimos num universo de 1371529 pensões.Note-se que se trata das novas pensões, as quais têm valores mais altos. Se considerássemos todas as pensões de velhice, teríamos 2555 com valores acima de 8 salários mínimos num universo de 1371529 pensões.