Público e privado na Educação:

A demagogia a partir dos números para servir interesses privados.

Muito se tem ouvido falar, nas últimas semanas, no suposto crescimento do ensino privado face a uma suposta perda de importância e de escolas do setor público, por alegada fuga de alunos do público para o privado. Os números em que se baseiam tais notícias são os divulgados pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) e dois dos principais promotores dessa torção são o diretor executivo da confederação patronal de colégios privados, Rodrigo Queiroz e Melo, que aproveitou para fazer propaganda ao seu negócio, e o comentador televisivo de domingo, Marques Mendes, que não perdeu a oportunidade para, mais uma vez, atacar os sindicatos, organizações pelas quais parece nutrir forte repulsa, exceto pelos que se dispõem a assinar acordos que os colocam do lado do governo e não daqueles que deveriam representar.

Os números divulgados pela DGEEC foram martelados por quem pretende passar aquela mensagem, isto é, são usados sem que seja divulgada toda a verdade e, assim, pareçam o que, realmente, não são. Em abono da verdade, é necessário referir que o que faz com que a diferença entre público e privado pareça inclinar-se para o lado do privado são os jardins de infância que, como se sabe, têm uma forte componente privada, tanto lucrativa como de natureza dita social (principalmente IPSS e Misericórdias) e, também, as escolas profissionais que são, essencialmente, privadas. No setor público, os cursos profissionais estão, por norma, integrados em escolas com ensino secundário, sendo em número reduzido as escolas profissionais públicas. Mas, lá está, não tem interessado falar desta realidade.

Quanto à Educação Pré-Escolar, é verdade que entre 2013 e 2023 o número de jardins de infância privados teve um ligeiro decréscimo, passando de 1901 para 1839 (-62), enquanto no setor público foi mais significativo, passando 1422 para 1019 (-403), mas há motivos para isso: encerramento de jardins de infância em pequenas localidades onde já não há crianças em idade pré-escolar; encerramento de estabelecimentos e concentração em centros educativos, vários designados por EBI, passando a ser contabilizado apenas um; encerramento de estabelecimentos e concentração das crianças em escolas básicas (EB), deixando de ser contabilizado qualquer um deles. No entanto, basta que se olhe para o número de crianças a frequentar a Educação Pré-Escolar para confirmar que, a esta redução do número de jardins de infância públicos, não corresponde uma redução do número das que os frequentam: no setor público há crescimento e no setor privado até há decréscimo.

Veja-se o quadro seguinte, que tem em consideração os números divulgados pela DGEEC:

Ano letivo 2012/2013

Estabelecimento de ensino

Público

Privado

Jardim de Infância

1422 – 42,79%

1901

Escola Básica

4569 – 90,58%

475

Escola Secundária

302 – 91,51%

28

Escola Básica e Secundária

239 – 63,73%

136

Escola Artística

6 – 50%

6

Escola Profissional

37 – 14,01%

227

Ano letivo 2022/23

Estabelecimento de ensino

Público

Privado

Jardim de Infância

1019 – 35,65%

1839

Escola Básica

3881 – 90,36%

414

Escola Secundária

315 – 92,92%

24

Escola Básica e Secundária

235 – 63,34%

136

Escola Artística

7 – 50%

7

Escola Profissional

33 – 12,7%

226

Se quisermos fazer uma comparação ainda mais rigorosa, comparemos o número de crianças que frequentam a Educação Pré-Escolar em estabelecimentos públicos e privados:

- Setor público: 141 999 em 2013 e 144 363 em 2023, correspondendo a um crescimento de 1,6%;

- Setor privado: 123 415 em 2013 e 120 662 em 2023, correspondendo a um decréscimo de 2,2%.

Ou seja, embora o número de estabelecimentos tenha diminuído mais no setor público, pelas razões atrás apontadas, o número de crianças que os frequentam aumentou, contrariamente ao que acontece no privado.

No ensino profissional, o número de alunos que frequentam os cursos diminuiu tanto no setor público, como no privado. Neste caso, apesar de a redução ter sido superior no público, onde há apenas 12,7% de estabelecimentos contra os 87,3% do privado, o número de alunos em cursos profissionais é superior nas escolas públicas em mais de 19 000:

- Setor público: 67 730 em 2013 e 65 167 em 2023;

- Setor privado: 47 969 em 2013 e 46 131 em 2023.

Em relação aos setores de ensino básico e secundário, a situação não sofreu alterações significativas, como confirmam os quadros acima, verificando-se, apenas, ligeiras oscilações em relação ao número de estabelecimentos. Repare-se, agora, no número de alunos:

Ensino Secundário

- Setor público: 305 613 em 2013 e 296 371 em 2023, correspondendo a um decréscimo de 3,0%;

- Setor privado: 79 597 em 2013 e 98 593 em 2023, correspondendo a um crescimento de 23,8%.

Contudo, este total é enganador porque, mais uma vez, o que provoca estas diferenças são os cursos profissionais e, principalmente, os chamados “cursos de aprendizagem”, em que o setor privado passa de 91 alunos em 2013 para 9559 em 2023. Se olharmos para os números relativos aos cursos científico-humanísticos, eles falam por si:

- Setor público: 177 419 em 2013 e 186 543 em 2023, mais 9124 alunos, correspondendo a um crescimento de 5,1%;

- Setor privado: 23 441 em 2013 e 23 852 em 2023, mais 411 alunos, correspondendo a um crescimento de 1,7%.

Ensino Básico

- Setor público (1.º, 2.º e 3.º ciclos – cursos gerais): 878 656 em 2013 e 788 073 em 2023, correspondendo a um decréscimo de 10,3%;

- Setor privado (1.º, 2.º e 3.º ciclos – cursos gerais): 122 893 em 2013 e 111 474 em 2023, correspondendo a um crescimento de 9,3%.

Neste caso, o decréscimo é semelhante, correspondendo a uma diferença de, apenas, 1%, decréscimo que acompanha a redução global do número de alunos no ensino básico.

Ministro pretende contratos de associação na Educação Pré-Escolar, ao invés de alargar a rede pública?

Com a Escola Pública a prevalecer em Portugal, sem oscilações, que respostas poderiam ser dadas se houvesse um efetivo investimento no setor público? Se o governo, este como anteriores, apostasse no setor público, ao invés de reservarem a Educação Pré-Escolar e os cursos profissionais para as áreas de negócio? E a situação poderá agravar-se, a crer nas declarações de governantes. Há dias, o ministro da Educação admitia avançar com a celebração de contratos de associação na Educação Pré-Escolar, o que, a concretizar-se,  confirma que o governante, contrariamente ao que afirma, tem mesmo preconceitos ideológicos, pois, ao invés de avançar com o alargamento da rede pública de jardins de infância, preferirá reforçar o financiamento aos privados, alimentando o negócio com dinheiros públicos.

É verdade que há grandes cidades do país em que as respostas privadas são em muito maior número do que as públicas. Tal resulta da falta de investimento no alargamento da já referida rede pública e na carência de respostas adequadas de natureza social, provavelmente para não fazer concorrência ao negócio privado.

Há muitos anos que a FENPROF vem denunciando esta situação. Recorda-se que os contratos de associação se destinam a financiar colégios privados que, em determinadas regiões do país, dão resposta, no âmbito da escolaridade obrigatória, quando a rede pública é insuficiente. Só que anteriores governos de direita não respeitaram a norma e provocaram, mesmo, o desvio de alunos das escolas públicas para as privadas, problema que, entretanto, foi regularizado e, pode afirmar-se, moralizado. Celebrar contratos de associação na Educação Pré-Escolar, em vez de alargar a rede pública de jardins de infância, indicia uma clara opção pela privatização neste setor de Educação.

 Nota: Esta análise tem apenas em consideração os números divulgados pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC).

Fonte: FENPROF

 Educacao Pre Escolar