A Assembleia da República resolveu consagrar o dia 15 de novembro como dia nacional das conservas de peixe, referindo tratar-se do reconhecimento da “importância da indústria de conservas de peixe portuguesas como parte integrante de uma alimentação saudável e equilibrada, e o contributo da mesma para a economia e o desenvolvimento nacionais, sensibilizando ainda o público para os produtos da pesca e da aquicultura sustentáveis, apresentando as conservas enquanto exemplo distintivo de tradição e excelência da indústria e qualidade ímpar do peixe da nossa costa”.
A iniciativa nasce de uma proposta da associação patronal ANICP (Associação Nacional dos Industriais das Conservas de Peixe) que, durante a sua apresentação, dissertou imenso sobre o contributo que os industriais do setor (confundindo-os e substituindo-os à indústria de uma forma mais geral) dão à economia nacional e aos hábitos alimentares dos Portugueses, como se não tivesse, a própria indústria, derivado desses hábitos alimentares, fazendo crer o contrário.
Uma apreciação atenta às decorrências do processo, que se debruçou quase exclusivamente numa audição parlamentar à diretora de comunicação da ANICP, e num exercício de discurso bajulatório da parte dos deputados da direita e do PS, permite assumir que os interesses da ANICP nesta iniciativa são única e exclusivamente económicos, sem sequer o esconder, como a escolha da proposta de data bem refere, ao tratar-se do dia em que um empresário de Setúbal recebeu um prémio numa exposição comercial em Paris.
1. Não há, em lado algum da proposta, qualquer alusão às idiossincrasias do povo das comunidades piscatórias que levaram à adoção das conservas em azeite como um dos mais saudáveis hábitos alimentares de que há memória;
2. Não há nenhuma menção às iniciativas revolucionárias dos Trabalhadores, maioritariamente mulheres, que contribuíram de forma séria para o combate à discriminação salarial de género;
3. Em nenhuma parte do texto da proposta ou da audição parlamentar, se alude aos “fuzilamentos de Setúbal” que resultaram em dois operários mortos pela Guarda Nacional Republicana, em março de 1911, nem à prisão política do Dirigente Sindical, só porque ousaram protestar por um pequeno aumento salarial.
Ainda que por “indústria das conservas” se devesse entender toda uma envolvente social e económica que acaba por caracterizar inúmeras comunidades da orla costeira de norte a sul do país, a proposta da ANICP assenta permanentemente na adulação a empresários que, em análise séria e concreta, representam maioritariamente aquilo que de mau sempre se associou ao setor:
1. A reserva dos rendimentos do trabalho para acumulação capitalista;
2. A firme e assumida oposição à evolução dos direitos e rendimentos do trabalho;
3. A manutenção da diferenciação entre homens e mulheres, tanto em questões remuneratórias como sociais.
Assim, os Trabalhadores da indústria das conservas de peixe assumem-se como justos representantes do setor, ao contrário dos seus patrões, cujo interesse é económico e não social.
No mesmo sentido, consideram descabida e equivocada a escolha da data, por considerarem que os pressupostos apresentados valorizam a parte exploradora do setor (os patrões) em detrimento da grande massa populacional que lhe dá traço e fundamento, os trabalhadores.
Não compreendem como é que uma decisão de tal importância é tomada num ano em que se desenvolveram quatro greves nacionais do setor, contra iniciativas de acentuação da exploração, sem que isso tenha sido tido em conta.
Entendem ainda que, perante iniciativas deste género, é obrigação dos deputados intervenientes o exercício de uma análise ponderada, em consulta ampla aos componentes do setor, convidando-os para dar opinião, auscultando-os e analisando as diversas posições de forma a que o resultado final seja de interesse abrangente, o que não aconteceu.
Fonte: SINTAB