saúdeHaverá ligação entre as duas matérias. Será possível encontrar-se uma ligação funcional entre as duas temáticas? Para além das semelhanças existentes na utilização que estas temáticas fazem das disciplinas auxiliares que utilizam e das metodologias que aplicam, que mais elos de ligação poderemos encontrar, entre as políticas de segurança e saúde e as políticas de protecção e respeito pelo meio ambiente?

Existe um ponto em que estas duas temáticas se envolvem fortemente. E esse ponto é a cultura: a cultura de prevenção, que consiste na organização da actividade económica empresarial no respeito pela integridade do ser humano; a cultura ambiental, que consiste na organização da actividade económica empresarial no respeito pelo meio ambiente. Neste ponto se cruzam muitos dos problemas de afirmação destas duas temáticas no meio empresarial. O empresário que desdenha do meio ambiente, colocando a sua avidez pelo lucro à frente da sustentabilidade ambiental da sua actividade, em regra, corresponde ao mesmo perfil de empresário que coloca o lucro à frente a sustentabilidade humana dessa mesma actividade.

O "dumping" social e ambiental

E este é o ponto relativamente ao qual julgamos haver um caminho longo a percorrer, quer na cultura empresarial nacional, quer na internacional. Se por um lado, subsiste em Portugal um número elevadíssimo de empresas (incluindo o próprio estado) que não possuem políticas de segurança e saúde e de protecção ambiental, ou mesmo possuindo, estas são meramente formais ou insuficientes, por outro lado, internacionalmente falando, continuam a existir no mundo um número infindável de "respeitáveis" corporações, que procuram o terceiro mundo e os países em vias de desenvolvimento, para desenvolverem as suas políticas empresariais baseadas no dumping social e ambiental.

A relação entre as políticas de SST e as políticas de protecção do meio ambiente, em geral, pode ser vista a partir de diferentes perspectivas:

Tanto uma como a outra tentam responder problema da sustentabilidade – seja social, humana ou ambiental – do actual estádio de desenvolvimento da sociedade humana. Num caso, a problemática da sustentabilidade humana das políticas empresariais e do trabalho que organizam, no outro caso, o problema da sustentabilidade das actividades humanas na sua relação com a natureza e o meio ambiente.

Isto quer dizer que, filosoficamente, tanto o respeito pelo ser humano e pelo trabalhador, como o respeito pelo meio ambiente em que este vive, são temáticas possuem linguagens e objectivos, senão comuns, pelo menos, relacionados ou convergentes, em sentido amplo.

Em sentido contrário, temos uma cultura empresarial economicista e ultra-liberal, baseada na ideia de crescimento constante das suas taxas de lucro, ideia essa que por ser anti-natural (não existe nada na natureza que cresça sempre), tende a explorar factores como, a intensificação do trabalho, o dumping social e ambiental, a desregulação das leis laborais, a flexibilidade laboral e os baixos salários, de forma a tentar provocar o crescimento constante das suas taxas de lucro.

Ora, esta cultura economicista e ultra-liberal revela, regra geral, uma cultura que determina um comportamento de desrespeito (e secundarização) pelo ser humano trabalhador, comportamento esse que, na sua essência, é da mesma natureza, do comportamento cultural que leva ao desrespeito pelas políticas de protecção do meio ambiente.

No fundo, as duas formas de comportamento revelam um desrespeito grande pelo meio envolvente, seja o meio humano seja o meio ambiente. O problema, acima de tudo, é que esta cultura economicista situa a actividade económica e a sua ofegante necessidade de obtenção de lucro à frente dos interesses da humanidade, sejam os seus interesses individuais, sociais ou ambientais.

Daí que se fale, hoje em dia, dos sistemas integrados de segurança, ambiente, qualidade e responsabilidade social, por se considerar, que numa empresa todos estes factores têm uma relação e vários aspectos em comum. A empresa com qualidade é aquela que produz em segurança, com respeito pelo meio ambiente e pela sociedade onde se insere. Contudo, a experiência mostra que, em grande medida, a certificação das empresas neste tipo de sistema de normalização, está muitas vezes mais associado a necessidades de marketing, de imagem comercial e social, do que propriamente à crença na "bondade" intrínseca destas medidas.

Outra perspectiva é a que tem a ver com a agressão ao meio ambiente. O mesmo risco laboral, que sujeita o trabalhador a um acidente ou a uma doença profissional, e que está relacionado com o meio ambiente onde este se insere (o caso das actividades ligadas a contaminantes do meio ambiente, utilizados ou produzidos), pode ser potencialmente nocivo para a comunidade onde a empresa se situa. Tudo tem a ver com a amplitude da exposição ou da propagação do risco. A partir do momento em que este risco de contaminação ambiental transpõe o ambiente de trabalho e se integra no meio ambiente da comunidade, passa a ser um risco ambiental.

Um dos casos que corrobora esta ideia é o do recente surto de legionella. Uma má manutenção das condutas e das torres de refrigeração, colocou em causa, não apenas a comunidade de trabalhadores e trabalhadoras daquela empresa, como a transpôs, passando a constituir um risco para toda a comunidade humana residente nas suas proximidades. Esta infelicidade da qual resultaram 10 pessoas mortas e centenas de infectadas, demonstra a estreita ligação entre "factor de risco laboral" e "factor de risco ambiental".

Em conclusão, podemos dizer que, a empresa que não protege os seus trabalhadores dos riscos laborais ligados a contaminantes do meio ambiente, é uma empresa que pode colocar em causa, não apenas o ambiente laboral mas também o meio ambiente da comunidade e do espaço geográfico em que se insere.

Uma outra perspectiva tem a ver com a visão de que a empresa não pode ser um agente nocivo para a sociedade, para a comunidade e para a natureza em geral. A empresa deve "viver" para os interesses da humanidade e não "sobreviver" à custa desses mesmos interesses.

A visão meramente economicista e ultra-liberal que caracteriza grande parte da comunidade empresarial do país e do mundo, acaba por transformar as empresas, muitas vezes, em meros parasitas sociais e ambientais, pois, para além das vantagens materiais que possam significar para os seus trabalhadores e trabalhadoras, no final, acarretam um conjunto de prejuízos sociais e ambientais, de tal forma pesados para as comunidades envolventes, que a vantagem patrimonial não compensa, nem nunca os poderá compensar.

Vejamos o caso das empresas que poluem os rios, o ar, os solos e ao mesmo tempo destroem a vida dos seus trabalhadores. Mais grave! Após esta exploração intensiva, muitas vezes fecham a porta e deixam atrás de si um rasto de destruição e miséria.

Aliás, não são raros os casos de empresas, nomeadamente multinacionais, com uma imagem muito "respeitável", que nos países mais pobres exploram o trabalho infantil, o trabalho em condições socialmente indignas, o dumping social e ambiental. Estas mesmas empresas, no Ocidente, acabam por assumir uma postura altamente contraditória, ao apostarem em politicas de marketing social assentes em Fundações e em acções de caridade. Esta hipocrisia revela sobretudo uma enorme arrogância pelo meio em que se inserem, olhando para esse mesmo meio apenas como um reduto de energias a utilizar indiscriminadamente.

É nossa crença que o futuro da humanidade exigirá, em grande medida, que as empresas pautem a sua existência, pela necessidade de proporcionarem um contributo saudável, nos vários domínios da interacção, para as comunidades envolventes, tanto ao nível laboral, como ao nível social, como ao nível ambiental. As empresas devem transformar-se em agentes ao serviço do progresso social e humano, fazendo desse factor uma condição "sine qua non" para a sua existência. Este é um imperativo inadiável e inevitável. À frente do interesse da empresa, tem de estar o interesse da humanidade, e não o contrário.

Por fim, seja na temática da Segurança e Saúde, seja na temática da protecção ambiental, um dos grandes desafios destas duas matérias, está precisamente no contributo que devem dar para o desenvolvimento de uma cultura de respeito pelos valores naturais, humanos, sociais e ambientais.

A resposta a este desafio deve contribuir para que a actividade humana produtiva se desenvolva de forma sustentável, tanto para o homem como para o meio ambiente, simplesmente porque uma coisa pressupõe a outra.

Para a construção de tal cultura é necessária a aposta na promoção e na prevenção. Essa aposta corporiza-se em políticas de educação, formação, investigação e sensibilização, em geral. Contudo, quer na área ambiental quer na área da segurança e saúde, a área de prevenção e promoção é a mais negligenciada pelo governo português. Esta negligência pode dizer muito da visão que este governo tem para economia nacional.