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NOVAS REGRAS PARA ATRIBUIÇÃO DE PRESTAÇÕES E APOIOS SOCIAIS

 O Decreto-Lei 70/2010, de 16 de Junho estabelece novas regras para a determinação das condições de recursos a ter em conta na atribuição e manutenção das prestações do subsistema de protecção familiar e do subsistema de solidariedade, bem como de outros apoios sociais públicos, e altera o regime jurídico do rendimento social de inserção

NOVAS REGRAS PARA ATRIBUIÇÃO DE PRESTAÇÕES E APOIOS SOCIAIS

 

Seg_socialO Decreto-Lei 70/2010, de 16 de Junho estabelece novas regras para a determinação das condições de recursos a ter em conta na atribuição e manutenção das prestações do subsistema de protecção familiar e do subsistema de solidariedade, bem como de outros apoios sociais públicos, e altera o regime jurídico do rendimento social de inserção

Em primeiro lugar, o diploma pretende proceder à harmonização das condições de acesso às prestações sociais de natureza não contributiva e, em geral, a todos os apoios sociais concedidos pelo Estado e sujeitos à verificação de condição de recursos, para tanto uniformizando a própria noção de condição de recursos, o conceito de agregado familiar, os tipos de rendimentos a considerar e o método e capitação do rendimento familiar para este efeito.

  1. Prestações a apoios sociais a que se aplicam as novas regras (artigo 1º)

As novas regras aplicam-se às prestações por encargos familiares (como o abono de família e o abono pré-natal), ao rendimento social de inserção; ao subsídio social de desemprego e aos subsídios sociais de parentalidade, bem como aos seguintes apoios sociais, sempre que dependam da verificação de condição de recursos: acção social escolar e acção social no ensino superior e não público; comparticipação de medicamentos e taxas moderadoras; pagamento de prestações de alimentos no âmbito do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores; comparticipação da segurança social aos utentes das unidades da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados; apoios sociais à habitação atribuídos pelo Estado e, em geral, todos os apoios sociais ou subsídios concedidos pelo Estado, qualquer que seja a sua natureza,

De salientar que não se verifica uma uniformidade de critérios quanto às alterações nos regimes jurídicos das diferentes prestações e apoios abrangidos, que o estabelecimento destas novas regras implicam.

Assim, o presente decreto-lei inclui desde logo a alteração do regime da garantia de alimentos a menores (Decreto-Lei 164/99, de 13 de Maio), do rendimento social de inserção (Lei 13/2003, de 21 de Maio e DL 283/2003, de 8 de Novembro), do abono de família e protecção na eventualidade encargos familiares (Decreto-Lei 176/2003, de 2 de Agosto) e do regime da protecção social na parentalidade (Decreto-Lei 91/2009, de 9 de Abril), modificando e/ou mandando aplicar no âmbito destes regimes as novas regras relativas à composição do agregado familiar, aos rendimentos a considerar no apuramento do rendimento familiar e ao método de apuramento desse mesmo rendimento.

No que toca ao subsídio social de desemprego, a aplicação das novas regras foi determinada imediatamente pelo Decreto-Lei 72/2010, de 18 de Junho, que alterou vários aspectos do regime da protecção social no desemprego.

Porém, especialmente no que respeita aos vários apoios sociais referenciados no nº2 deste artigo 1º, o diploma nada diz e, portanto, nada sabemos quanto ao modo como se processará a alteração das condições de atribuição destes apoios.

  1. Condição de recursos (artigo 2º)

A condição de recursos corresponde basicamente ao limite de rendimentos que a lei estabelece como condição de acesso a uma determinada prestação ou apoio social.

Este limite específico consta do regime jurídico de cada prestação ou apoio em concreto. Porém, em qualquer caso, para ter direito a qualquer das prestações ou apoios sociais referidos neste diploma, o requerente e o respectivo agregado familiar não podem deter património mobiliário (depósitos bancários, acções, obrigações, unidades de participação, etc.) de valor superior a 240 vezes o Indexante de Apoios Sociais (cerca de € 100 560).

  1. Rendimentos a considerar (artigo 3º)

Para efeitos de verificação da condição de recursos consideram-se todos os rendimentos do requerente e respectivo agregado familiar, designadamente:

    • Rendimentos de trabalho dependente (artigo 6º)
    • Rendimentos empresariais e profissionais (artigo 7º)
    • Rendimentos de capitais (artigo 8º)
    • Rendimentos prediais, não se considerando o imóvel destinado a habitação permanente do requerente, cujo valor seja inferior ou igual a cerca de € 250 000 (artigo 9º)
    • Pensões – considerando-se todas as pensões auferidas pelo requerente e membros do seu agregado familiar incluindo pensões de velhice, invalidez, sobrevivência, aposentação e reforma ou outras idênticas, rendas temporárias ou vitalícias, prestações a cargo de companhias de seguros ou fundos de pensões e pensões de alimentos (artigo 10º)
    • Prestações sociais – considerando-se todas as prestações ou apoios sociais atribuídos de forma continuada e regular, excepto prestações por encargos familiares, encargos no domínio da deficiência e encargos de dependência atribuídos no âmbito do subsistema de protecção familiar (artigo 11º)
    • Apoios à habitação atribuídos com carácter de regularidade (artigo 12º)
    • Bolsas de estudo e de formação (artigo 13º)

 

A CGTP-IN considera que, por questões de justiça social, não deviam ser considerados os seguintes rendimentos:

    • As pensões por acidente de trabalho ou doença profissional, tendo em conta a sua natureza indemnizatória de danos sofridos no trabalho e por causa do trabalho, da exclusiva responsabilidade das entidades empregadoras;
    • As bolsas de estudo e de formação – na medida em que a concessão destas bolsas tem como objectivo, por um lado, colmatar as efectivas desigualdades existentes no acesso ao ensino e à educação em geral e, por outro, incentivar a formação e a qualificação, tão necessárias para o nosso progresso económico e social, não será justo penalizar as famílias por este facto.
  1. Conceito de agregado familiar (artigo 4º)

Este diploma consagra um conceito lato de agregado familiar englobando todas as pessoas que vivem em economia comum (isto é, que residem no mesmo alojamento e suportam em conjunto as despesas fundamentais ou básicas) e que tenham entre si relações familiares decorrentes do casamento, do parentesco, da afinidade e da adopção.

Consideram-se também as relações decorrentes de união de facto há mais de dois anos e as relações de afinidade destas resultantes.

No que respeita às relações decorrentes de parentesco e de afinidade incluem parentes e afins maiores em linha recta e em linha colateral até ao 3º grau do requerente (pais, avós, bisavós, irmãos e tios) e todos os seus parentes e afins menores em linha recta e em linha colateral (filhos, netos, bisnetos, irmãos, sobrinhos).

De salientar que não se consideram como membros do agregado familiar as pessoas com as quais exista um vínculo contratual, por exemplo, de sublocação ou hospedagem, ou cuja obrigação de convivência resulte da prestação de actividade laboral a um dos membros do agregado familiar. Também não se consideram as situações em que a economia comum tenha finalidades transitórias.

Este alargamento do conceito de agregado familiar vai ter reflexos sobre o acesso às prestações e apoios sociais por parte das famílias, principalmente quando conjugado com o novo método de apuramento de rendimentos para verificação da condição de recursos.

  1. Capitação do rendimento do agregado familiar (artigo 5º)

O apuramento dos rendimentos do agregado familiar deixa de ser feito per capita, para passar a ser feito de forma ponderada de acordo com uma escala de equivalência em que o peso dos vários elementos do agregado familiar é diferente.

A escala de equivalência utilizada é a seguinte:


Elementos do agregado familiar

Peso

Requerente

1

Por cada individuo maior

0,7

Por cada individuo menor

0,5

 

Este método de determinação do rendimento familiar provoca um aumento artificial do nível de rendimentos das famílias, o que significa que não só um maior número de famílias deixará de ter acesso a prestações e apoios sociais, como muitas delas verão substancialmente reduzido o valor dessas prestações e apoios.

  1. Informação sobre os rendimentos (artigo 14º) 

Segundo o nº 1 deste artigo, os serviços de segurança social podem solicitar aos requerentes de uma prestação ou apoio social a entrega de uma autorização de acesso a informações detidas por terceiros, designadamente informação fiscal e bancária, para comprovação das declarações de rendimentos e de património do requerente e do seu agregado familiar. Mais se diz que a referida autorização deve ser concedida de forma livre, específica e inequívoca.

Dos termos desta disposição podemos então concluir pelo menos o seguinte:

    • A autorização de acesso aqui prevista não pode ser solicitada indiscriminadamente a todos os requerentes de uma prestação ou apoio social no momento da apresentação do requerimento e dos meios de prova exigidos conforme o respectivo regime jurídico, mas apenas num momento posterior, após apreciação destes meios de prova, da qual resultem dúvidas que exijam comprovação do que foi apresentado;
    • Apesar de o nº2 deste artigo aparentemente sancionar a não entrega da declaração de autorização com a recusa de acesso às prestações ou apoios, a aplicação desta sanção suscita sérias dúvidas, pois é incompatível com a caracterização feita no nº1, segundo o qual a autorização é concedida de forma livre. Ora se a não concessão da autorização tem à partida consequências negativas conhecidas, isso significa que o consentimento não é prestado de forma livre.
  1. Alteração da Lei 13/2003, de 21 de Maio, e do DL 283/2003, de 8 de Novembro – Regime jurídico do rendimento social de inserção (artigos 17º, 18º e 20º)

Para além de introduzir as novas regras relativas ao apuramento de rendimentos para determinação da condição de recursos, este diploma procede igualmente a um conjunto de outras alterações ao regime jurídico desta prestação, designadamente:

    • Requisitos e condições gerais de atribuição (artigo 6º da Lei 13/2003).

É adicionada uma nova condição de atribuição da prestação do Rendimento Social de Inserção – ter decorrido um ano após a cessação do contrato de trabalho sem justa causa por iniciativa do trabalhador.

Em nosso entender, trata-se de uma condição mesquinha, de carácter persecutório e que, para mais, revela grande insensibilidade e desconhecimento a respeito da situação real que se vive no mercado laboral e das insuportáveis pressões a que os trabalhadores são frequentemente sujeitos precisamente no sentido de porem termo à relação laboral, por sua iniciativa e sem reclamarem quaisquer direitos. Há trabalhadores que não conseguem resistir e acabam por ceder, ficando em situação de grande vulnerabilidade, muitas vezes com a sua saúde mental e física destruída. Caso necessitem desta prestação para subsistir, esta condição funcionará contra eles.

    • Montantes da prestação (artigo 10º da Lei 13/2003)

O montante da prestação é reduzido, mediante a alteração das regras de ponderação de cada elemento do agregado familiar. São penalizados os agregados com dois adultos, bem como as famílias com mais filhos.

    • Apoios à maternidade e outros apoios especiais (artigos 11º e 12º da Lei 13/2003).

São revogados os apoios à maternidade que eram concedidos no âmbito do rendimento social de inserção, bem como outros apoios especiais, nomeadamente as majorações atribuídas a famílias que incluem pessoas com deficiência, com doença crónica ou pessoas idosas em situação de grande dependência.

A CGTP-IN considera especialmente gravosa a revogação destes apoios concedidos a famílias que incluem pessoas com necessidade especiais, na medida em que se trata normalmente de famílias em situação de grande vulnerabilidade e com despesas acrescidas.

    • Medidas de activação (artigo 18ºA da Lei 13/2003) 

Este novo artigo tem natureza essencialmente programática e determina que, a partir do ano de 2011, sejam criadas condições para que todos os beneficiários e titulares da prestação do RSI entre os 18 e os 55 anos de idade, que estejam desempregados e tenham capacidade e disponibilidade para o trabalho, tenham acesso a medidas de reconhecimento e validação das suas competências, a medidas de formação ou a acções educativas ou a medidas de aproximação ao mercado de trabalho, no prazo máximo de seis meses após a subscrição do programa de inserção.

Não temos nada a opor a esta disposição, mas consideramos que o programa de inserção já deve contemplar estas medidas e acções, aliás é precisamente para isso que serve, para determinar as medidas e acções mais adequadas ao projecto de vida de cada beneficiário e titular da prestação.

    • Cessação do direito (artigo 22º da Lei 13/2003)

Foi introduzida uma nova causa de cessação da prestação – a recusa de emprego conveniente, trabalho socialmente necessário ou formação profissional, nos termos do regime da protecção social no desemprego.

    • Não celebração do programa de inserção (artigo 29º da Lei 13/2003)

Aumento, de 12 para 24 meses, do período durante o qual o beneficiário não pode voltar a requerer o RSI, após ter recusado (ou outro membro do agregado familiar) o programa de inserção.

    • Incumprimento do programa de inserção (artigo 30º da Lei 13/2003)

Procede ao agravamento das sanções para o incumprimento do programa de inserção.

    • Averiguação oficiosa de rendimentos (artigo 42º do DL 283/2003, de 8 de Novembro)

A averiguação oficiosa de rendimentos para efeitos de manutenção e renovação da prestação passa a ser mais frequente, passando a fazer-se no momento da atribuição, no momento da renovação anual e ainda seis meses após a atribuição ou renovação.
Pode ainda proceder-se à averiguação oficiosa de rendimentos sempre que haja indícios objectivos e seguros de que o requerente ou beneficiário dispõe de rendimentos suficientes.

Sem prejuízo de considerar que a concessão e manutenção da prestação do Rendimento Social de Inserção, bem como de outras prestações de solidariedade, deve ser sujeita a controlo e fiscalização rigorosas a fim de evitar e dissuadir abusos que a todos prejudicam, a CGTP-IN entende que os procedimentos destinados a concretizar este objectivo devem ter subjacentes critérios de equidade e justiça social e não fundar-se no objectivo cego de reduzir despesas sociais, atingindo frequentemente aqueles que se encontram em situação de maior vulnerabilidade.

  1. Alteração do Decreto-Lei 176/2003, de 2 de Agosto – regime da protecção nos encargos familiares (artigo 19º)

No que toca às prestações por encargos familiares, designadamente o abono de família para crianças e jovens e o abono pré-natal, apenas o conceito de agregado familiar e os rendimentos a considerar para apuramento do total dos rendimentos do agregado familiar são revogados e implicitamente substituídos pelas correspondentes disposições do Decreto-Lei 70/2010, de 16 de Junho.

Já no que respeita ao cálculo dos rendimentos de referência a considerar para a determinação do escalão de que depende o valor do abono de família para crianças e jovens e o abono pré-natal nada se altera. Continuam a ser calculados segundo a regra actualmente em vigor:

    • No caso do abono de família, a soma do total de rendimentos de cada elemento do agregado familiar a dividir pelo número de titulares de direito ao abono inseridos no agregado familiar mais um;
    • No caso do abono pré-natal, a soma do total de rendimentos de cada elemento do agregado familiar a dividir pelo número de titulares de direito ao abono inseridos no agregado familiar mais um e mais o número de nascituros.

Neste caso, a eventual redução do montante das prestações (motivada por mudança de escalão) ou mesmo perda do direito às prestações resultará sobretudo do alargamento do conceito de agregado familiar, que poderá implicar a consideração de rendimentos que, até aqui, não eram tidos em conta.

  1. Entrada em vigor e produção de efeitos

Este decreto-lei entra em vigor no dia 1 de Agosto de 2010.

O regime estabelecido aplica-se a todas as prestações e apoios sociais em curso, determinando a reavaliação extraordinária da condição de recursos, o que significa que, a partir do dia 1 de Agosto, podem os serviços competentes solicitar aos beneficiários das prestações em causa que façam prova do cumprimento da condição de recursos legalmente definida à luz das novas regras.

Assim, de acordo com o estabelecido na lei, é possível que o beneficiário de uma determinada prestação social, cujo direito foi devidamente reconhecido nos termos da lei em vigor ao tempo da verificação dos factos que deram origem à respectiva atribuição, veja o montante dessa prestação ser reduzido ou mesmo o direito totalmente perdido, antes de esgotado o período de concessão ou, consoante os casos, antes de atingido o prazo legal para requerer a renovação da concessão.

Podemos, então, dizer que estamos perante uma aplicação retroactiva da lei, totalmente inaceitável.

Contudo, a lei não deixa de ressalvar algumas situações determinando que:

    • Os apoios à maternidade concedidos no âmbito do rendimento social de inserção mantêm-se até ao final do período de atribuição ou até à cessação do direito à prestação do RSI;
    • Os apoios especiais, concedidos no âmbito do RSI, a famílias que incluem pessoas com deficiência, com doença crónica ou pessoas idosas em situação de grande dependência mantêm-se até à renovação do programa de inserção, mas não podendo ultrapassar o prazo de 1 ano a contar da entrada em vigor deste diploma;
    • Os subsídios sociais de parentalidade em curso mantêm-se até final do respectivo período de atribuição.

A CGTP-IN considera que, atendendo a que todas as prestações e apoios sociais em causa têm períodos de concessão e/ou prazos de renovação legalmente definidos, normalmente curtos e que regra geral não ultrapassam um ano, não há razão para que a reavaliação da condição de recursos imposta pelas novas regras estabelecidas não seja, em todos os casos, feita no termo dos respectivos períodos de concessão ou no momento da respectiva renovação.